René Guénon: do Anjo do Graal à Maçonaria - Parte 1

Antigo Venerável Mestre da Grande Triade, Karl van der Eyken expõe algumas contradições aos dissidentes que atacam a maçonaria, entusiastas do guenonismo.

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René Guénon: do Anjo do Graal à Maçonaria - Parte 1

Antigo Venerável Mestre da Grande Triade, Karl van der Eyken expõe algumas contradições aos dissidentes que atacam a maçonaria, entusiastas do guenonismo.

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Célebre ilustração do Graal e dos Cavaleiros da Távola Redonda encontrada na Capela do Graal perto de Brocéliande. Quantos cristãos veneraram o que esta "Trompe l'Oeil" representa?

As Tradições primordiais

Vamos entrar no assunto com algumas citações de René Guénon:

"Não nos parece duvidoso que as origens da lenda do Graal devem ser atribuídas à transmissão de elementos tradicionais, de ordem iniciática"1; "o Santo Graal é o cálice que contém o precioso sangue de Cristo"2; "há símbolos que são comuns às formas tradicionais mais diversas e distantes umas das outras, não por causa de 'empréstimos' que, em muitos casos, seriam totalmente impossíveis, mas porque pertencem realmente à Tradição primordial da qual essas formas derivam direta ou indiretamente"3; "Este cálice substitui de certa forma o Coração de Cristo como receptáculo de seu sangue, torna-se como um equivalente simbólico; e não é ainda mais notável, nessas condições, que o vaso tenha sido antigamente um emblema do coração? Além disso, o cálice, de uma forma ou de outra, desempenha, assim como o próprio coração, um papel muito importante em muitas tradições antigas; e sem dúvida era assim especialmente entre os celtas, pois foi deles que veio o que constituiu o fundo ou pelo menos a trama da lenda do Santo Graal."4

Para Guénon, a Verdade não veio ao mundo com Cristo. Ela existe desde os tempos primordiais e constitui o "depósito" do Centro supremo, onde é integralmente preservada. É deste Centro que emanam adaptações da verdade, de acordo com a predisposição intelectual dos povos, determinada pelo aspecto qualitativo das eras segundo a lei dos ciclos cósmicos. Aqui está resumida a doutrina de Guénon, alimentada pelas influências rosacruzes e ampliada pelo predestinacionismo hindu.

Portanto, Cristo não é mais do que um porta-voz do Centro supremo, um avatara, um "descido do céu", como Vishnu, que está em sua décima, misturando-se com Buda de fonte exógena. Guénon diz: "não dizemos 'encarnações', como é habitual no Ocidente"5, e esclarece o cerne de seu pensamento doutrinário: "Digamos muito claramente, se Cristo fosse considerado apenas como uma figura histórica, isso seria de pouquíssimo interesse; a consideração do Cristo-princípio tem uma importância completamente diferente"6.

Amphisbène registrado por Louis Charbonneau-Lassay

Sem a Encarnação, não há mais Cristo, não há mais cristianismo! De onde ele tira essa enormidade? Ela vem diretamente do "Messias-princípio" da Cabala, princípio que ele desenvolveu em seu Roi du Monde. Segundo essa doutrina "imaginária", o princípio da "luz do Messias" seria a Shekinah, síntese da árvore sefirotal. A Shekinah tem um parêntese chamado Metatron, o "Trono divino", pois este é numericamente (sic) equivalente a Shaddai, o "Todo-Poderoso". Metatron também é chamado de "Anjo da Face", e ele tem até duas Faces: uma "tenebrosa", a outra "luminosa"; respectivamente relacionadas ao Anti-Messias, e a outra ao Messias. Segundo Guénon: "estão reunidos no 'anfisbena', a serpente de duas cabeças, uma representando Cristo e a outra Satanás", como mostra esta ilustração. E ele esclarece: "que a confusão entre o aspecto luminoso e o aspecto tenebroso constitui propriamente o 'satanismo'". Isso é maniqueísmo puro! E sem confusão possível, vemos explicitamente a linhagem doutrinária serpentina de Guénon, que encontramos em toda a sua obra, entre outros, sobre os dois rostos de Jano, do Rebis hermético e do andrógino...

Eu voltarei in fine sobre essa "confusão" entre luz e trevas, que não constitui o satanismo, mas cuja origem é de ordem satânica. Não é necessário enfatizar que essas teorias vão contra a Revelação.

Já Filon, o Judeu, havia feito do Logos um anjo, e os gnósticos perpetuaram esse conceito. Não é tudo, os gnósticos até fizeram de Yahweh bíblico um deus mau que havia incorporado, aprisionado, as almas "pré-existentes". Subsequentemente, Deus (Yahweh) da Revelação será relegado ao lugar de um "demiurgo" platônico, sobre o qual voltarei com a Maçonaria.

O fato de Guénon rebaixar assim Cristo ao nível de um anjo ou de um Cristo-princípio é de ordem satânica. Ele havia recebido uma educação católica e se casado na igreja, então ele pelo menos conhecia o Credo. Deixar é uma coisa, mas posicionar-se como um porta-voz de uma doutrina herética é outra! Com sua "intuição intelectual" (Gnose), Guénon tinha tamanha certeza da verdade, a sua, que nem mesmo Deus poderia lhe ensinar algo que ele já não conhecesse. Essa disposição intelectual, dada a seu imenso talento como escritor, apoiado em uma lógica (matemática), o destinava a se tornar um porta-voz da Tradição primordial, cuja doutrina ele expôs de forma inigualável. Foi assim que ele se tornou incontestavelmente o representante, a cabeça, do neognosticismo contemporâneo, em perfeito acordo com a Gnose da Maçonaria, como veremos.

Guénon ignorava que existem duas Tradições primordiais, e não apenas uma; ou isso é uma consequência lógica do emanatismo? O "emanatismo" logicamente engendra o monismo metafísico implicando uma única tradição, da qual derivam as tradições secundárias, como os ramos de um mesmo tronco. Emanatismo também implica uma continuidade entre o "princípio" e sua manifestação. Essa continuidade ocorre em graus, que encontramos, entre outras coisas, nas sephirot da árvore cabalística, também de origem gnóstica. Portanto, é o "princípio" que se manifesta: é o panteísmo! Essa doutrina não apenas nega a Criação ex nihilo, mas se opõe a ela, e logicamente segue que ela considera a Revelação de uma outra maneira.

Segundo a Revelação, há duas Tradições, surgidas com as duas descendências diretamente provenientes do Pecado. Em resposta à Tentação da serpente "Sereis como deuses" (Eritis sicut Dii), Deus disse: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela, e esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar."7 A Tradição, surgida da Revolta, seguirá até o fim de sua lógica sem o menor escrúpulo, enquanto a outra Tradição permanecerá fiel à Revelação. Elas geram dois caminhos: um alega poder libertar o homem pela ciência (da Árvore), o outro a Salvação pela Fé. Essas duas tradições são inconciliáveis, mas a da Ciência (da Gnose dos iniciados) não se desenvolverá independentemente da outra. Sua natureza pérfida consiste em desviar o sentido da Revelação ao se misturar com ela sob um subterfúgio, a fim de distorcê-la, gerando não apenas desvios, mas também contraverdades. A lenda do Graal testemunha isso.

A Lenda do Graal

A lenda do Graal surgiu no final do século XII com o Perceval de Chrétien de Troyes, seguido por outros autores, dos quais destaco aqui apenas o Parzival de Wolfram von Eschenbach (1205), que se distingue dos outros relatos por seu caráter esotérico. Apenas mencionarei alguns aspectos marcantes deste relato rico em detalhes, que testemunham a infiltração do pensamento árabe e talmudista na cristandade.

A origem dessa lenda não é cristã, como é o caso, por exemplo, das Canções de Gesta. Aliás, este relato nos leva a Bagdá, passando por Toledo, e sua origem seria até iraniana. Assim, o Graal corresponderia ao "Cálice Maravilhoso" de Djmeshid, no qual o "Rei Místico" vê todo o universo. Eis a razão pela qual a Igreja Católica nunca se interessou pelo Graal, como faz com outras relíquias, como o Santo Sudário, por exemplo. Antes de tudo, essa lenda também se inspirou nos apócrifos, como o "Protoevangelho de Tiago", o "Pseudo-Evangelho de Nicodemos" e alguns outros escritos duvidosos. Fiel à ortodoxia da Tradição única, Guénon diz:

"Após a morte de Cristo, o Santo Graal foi, segundo a lenda, transportado para a Grã-Bretanha por José de Arimatéia e Nicodemos." 8

A miniatura mostra assim o cavaleiro Wolfram von Eschenbach com um capacete de duas machadinhas que evocam indubitavelmente o maniqueísmo, como veremos com a Pérola de Mani. Além disso, as duas machadinhas heraldricas lembram certas antigas divindades cornudas sinistras. Com von Eschenbach, o relato muda de história: o sobrinho de Parzival torna-se o padre João, o famoso e misterioso rei-sacerdote da Índia. Isso geograficamente é o protótipo do Centro Supremo, posteriormente chamado Agartha, com o "Rei do Mundo" à sua frente. E Guénon confirma:

"há uma relação muito estreita entre o simbolismo do Graal e o 'centro comum' [...] o que é simbolizado, na mesma ordem de ideias, pela designação do Sacerdote João e de seu reino misterioso." 9

Segundo von Eschenbach, os cavaleiros do castelo de Montzalvage guardam o Graal e se alimentam de uma pedra preciosa chamada Lapsit Exillis, a "pedra caída do céu". Parzival diz: "É pela virtude desta pedra que o fênix se consome e se torna cinzas. Mas dessas cinzas renasce a vida, é graças a esta pedra que o fênix realiza sua muda para reaparecer depois em todo o seu esplendor, tão belo quanto nunca".

A fênix é um símbolo da ressurreição, tema central dos "mistérios maçônicos da 'Câmara do Meio', onde também se trata de morte e ressurreição"10, confirma Guénon. Onde, com palavras semelhantes no Parzival, é dito após a "ressurreição": "o mestre é encontrado, ele reaparece mais radiante do que nunca!". Isso ilustra a natureza herética e parasitária da Gnose; somente Cristo ressuscitou dos mortos!

Com Wolfram von Eschenbach, o Graal não é mais o "Santo Veyssel" de Chrétien de Troyes, mas é uma esmeralda esculpida em forma de Cálice e caída da testa de Lúcifer quando ele foi precipitado do céu. Guénon sobre o Parzival:

"este cálice teria sido esculpido pelos anjos em uma esmeralda caída da testa de Lúcifer durante sua queda. Esta esmeralda lembra de forma marcante a urnâ, a pérola frontal que, na iconografia hindu, muitas vezes ocupa o lugar do terceiro olho de Shiva, representando o que pode ser chamado de 'sentido da eternidade'." 11

Esta pérola de Shiva seria de fato de origem budista. O Brahmanismo também pegou emprestado algumas coisas dos gregos e do Cristianismo12. Isso é claramente o caso com "Krishna", que, de acordo com os Purânas da Idade Média, foi criado no colo de sua mãe, em uma cabana de pastores, cercado por pastores. Ou, ainda de acordo com os Purânas, a aparição tardia do Trimûrti, o panteão hindu trinitário, no qual Vishnu, Shiva e Brahma foram reunidos. Vishnu, o "conservador" dos seres, com Shiva "destruindo" a manifestação do ser, para que ele se "liberte". Procure pela coerência!

A pérola frontal de Shiva está diretamente relacionada às origens do Budismo, que, ao contrário do que a "história oficial" quer nos fazer acreditar, é posterior ao Cristianismo. A descoberta de milhares de manuscritos antigos na "Cidade dos mil Budas" (Touen-Houang) revelou muitos manuscritos maniqueístas. Além disso, na região de Turfan, em Karakhoja, existem estátuas de Budas com seus nomes, sendo o maior Buda Mani, o profeta supremo! Através das expedições de Alexandre, o Grande, o reino da Báctria dos Escitas foi helenizado. E, em sânscrito, os Escitas são chamados de "Çakias", daí o "Çakia Mouni", o "Buda iluminado"!

Foi um Escita, chamado Scythianos, que pregava uma Gnose cristã, portanto, herética. Seu discípulo Térébinthe foi a Babilônia, alegando ter nascido de uma virgem e se autodenominou "Buda". Este nome foi dado a esta "igreja" por Mani (216-277), que ensinava a Gnose de Marcião e Basílides. Mani, grande organizador, construiu estas "igrejas" em todo o Oriente e Ásia Central. Mani era o "filho de uma viúva", encontramos isso na maçonaria onde os maçons são "filhos da viúva". Mani significa em sânscrito "gema, pedra preciosa", que encontramos no famoso cântico do "Jóia no lótus" (Mani padmê) do budismo mahayana. Outro cântico famoso é este hino maniqueísta, o "Cântico da Pérola", que é retirado dos "Atos de Tomé", outro apócrifo! Eis aqui a fonte factual e não apenas lendária do Olho central de Lúcifer.

Este cálice, esculpido pelos anjos em uma esmeralda caída da testa de Lúcifer durante sua queda, teria se tornado um suporte simbólico para a realização espiritual dos iniciados gnósticos. Esta pedra preciosa, Lapsit Exillis, caída até o centro da terra, também é o local da Pedra filosofal dos hermetistas, que encontramos na Maçonaria (Visita interiora terrae rectificando invenies occultum lapidem veram medicinam). Seu acrônimo "VITRIOLUM" aparece na "Câmara de Reflexão", a "antesala" da iniciação maçônica.

Lucifer se opôs a Deus por sua recusa (non serviam) em servir o Filho de Deus, assim como à Santíssima Trindade! Esta Tradição é perpetuada pela Maçonaria, historicamente confirmada e retomada por Guénon:

Existiu, por volta do século XIV, senão antes, uma Maçonaria do Santo Graal, pela qual as confrarias de construtores estavam ligadas aos seus inspiradores hermetistas, [...] uma das origens reais da Maçonaria." 13 Esta filiação era secretamente mantida "de forma oculta, através de organizações como a Fede Santa ou os 'Fidèles d'Amour', como a 'Maçonaria do Santo Graal' e sem dúvida muitas outras ainda 14.

1Vislumbres sobre o Esoterismo cristão, cap. VIII.

2Idem, cap. IX.

3Idem, cap. VIII.

4Idem, cap. IX.

5O Simbolismo do Peixe, Regnabit, fevereiro de 1927.

6Estudos sobre a Maçonaria e o Companheirismo, volume I, "Um novo livro sobre os Eleitos Coens".

7 – Gênesis, III, 3 e 15.

8Vislumbres sobre o Esoterismo cristão, cap. IX.

9O Esoterismo de Dante, cap. IV.

10Ibidem.

11Idem, cap. IX.

12Cf. Étienne Couvert, A Gnose Universal, cap. I, Edições de Chiré 1993 (Gnose e Budismo: nas fontes do Budismo).

13Estudos sobre a Maçonaria e o Companheirismo, volume II, "Sobre os Sinais corporativos e seu significado original".

14Vislumbres sobre o Esoterismo cristão, cap. II.

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