O Plano Maitland

Cesáreo Jarabo Jordán, Pensamiento Hispánico

Postado pela Ação Restauracionista em 2025-09-10 14:42:00

Postagem original: https://www.cesareojarabo.es/2024/09/el-plan-maitland.html

A ideia de humilhar a Espanha é antiga na Inglaterra. Já na obra “Uma proposta para humilhar a Espanha”, publicada no ano de 1711, em um texto em que não faltam reiterados insultos à Espanha e aos espanhóis (o que não é capaz de fazer a avareza, especialmente em um espanhol?, diz o autor anônimo), trata do assunto fazendo referência a propostas anteriores no tempo.

No mesmo documento se propunha o envio de uma armada com o objetivo de tomar Buenos Aires e fortificá-la, coisa que não haviam feito “os preguiçosos espanhóis”, e ressaltava o interesse da praça, que era considerada a de maior importância do mundo.

Assinalava também que se alguma vez a Inglaterra conseguisse estabelecer seu comércio poderiam arruinar por completo a manufatura em Quito em poucos anos. Também assinalava a importância que alcançava o fornecimento tanto de carne como de mulas e cavalos, gerado por Buenos Aires e tão necessário para a manutenção de Potosí. E a isso havia que acrescentar muito especialmente o fornecimento de “erva” (supostamente mate), que era produzido no Paraguai.

Assinalava também Santa Fé como a única passagem pela qual se podia ir ao Peru, o que não é verdade, já que existia o caminho real de Lima a Buenos Aires, no qual confluía o caminho de Santa Fé.

O projeto assinalava a tomada de Santa Fé e de Assunção, ação que, diz, seria de fácil execução já que “os habitantes são extremamente preguiçosos e descuidam por completo do comércio, passando seu tempo em festas e tocando violão”.

Também assinala a situação da costa, fazendo referência às informações fornecidas pelos piratas, em concreto as facilitadas por William Dampier, assinalando que a costa tem menos portos ou baías que qualquer costa conhecida em todo o mundo, e esses poucos todos estão ocupados e fortificados.

Não se tratava de um plano bem desenhado; mais bem era o apontamento de um plano que deveria ser delineado mais adiante. Cem anos depois, com informações fidedignas e sem os exabruptos vertidos na “proposta para humilhar a Espanha”, os objetivos ficariam plasmados no Plano Maitland.

Chegado o momento de levá-lo a cabo, contariam com novos elementos a seu favor, entre os quais se encontrava quem deveria realizá-lo em pessoa. E, no entanto, a travessia dos Andes é, pelo que contam os especialistas, uma obra magistral na arte militar que foi engendrada por José de San Martín.

Mas, de verdade se trata de um plano engendrado por San Martín ou mais bem obedece a instruções procedentes de outras instâncias?

Tomando o assunto desde os inícios, em 1781 se encontrava em Londres Juan Pablo Viscardo, jesuíta sobre o qual não pesavam as leis anticatólicas da Inglaterra, que foi parte principal na composição dos planos para a invasão britânica da América aproveitando a revolta de Túpac Amaru. Para o caso, junto a Francisco de Miranda soclicitava a invasão, facilitando informação muito precisa dos aspectos que interessavam para a mesma: sociais, econômicos e geográficos…

É o fato que, com toda a informação reunida, a Inglaterra havia desenvolvido em setembro de 1796 um plano que, por tratar-se de uma façanha que se considerava inatingível, não atendia a travessia dos Andes, mas…

Seu autor, Nicholas Vansittart, era colega de Maitland no Parlamento e, mais tarde, se tornaria amigo de Miranda.

Aquele plano pioneiro se intitulava “Proposições para uma expedição contra a Hispanoamérica pelo Oceano Pacífico”. O objetivo dessa expedição (naval) era tomar Buenos Aires e, depois, quando fosse “a estação adequada para rodear o Cabo Horn”, estabelecer “um assentamento permanente no Chile a fim de interceptar qualquer força que pudesse ser enviada da Europa”, e mais tarde “confluir em direção ao Callao”. (Terragno)

Corria o ano de 1800 quando Thomas Maitland apresentou um novo plano que intitulou “Plano para capturar Buenos Aires e Chile” e também contemplava capturar Peru e Quito. Tratava-se do desenvolvimento de uma ideia que não era nova, mas que, além de aperfeiçoar a ideia de Vansittart, já havia sido engendrada por John Hippisley. Para seu desenvolvimento, Maitland contou com a colaboração deste e do Secretário de Guerra, Henry Dundas.

O plano consistia em tomar o controle da América, sendo que, para a consecução desse objetivo, propunha em primeiro lugar a tomada de Buenos Aires seguida de uma ação imediata que assegurasse o flanco oriental dos Andes, sendo que se assinalava Mendoza como núcleo para seu controle, lugar de onde devia iniciar-se a tomada do Chile.

Para seu desenvolvimento, Hippisley multiplicou os contatos com os jesuítas e em 1780 alguns deles lhe ofereceram seus “serviços pessoais para uma expedição”. Entre os jesuítas exilados, os mais conspícuos conspiradores contra a Espanha (e próximos aos britânicos) eram Juan José Godoy e Juan Pablo Viscardo. Hippisley recebeu dos jesuítas informação muito precisa acerca de Cuyo, incluindo detalhes sobre as passagens cordilheiranas que uniam Mendoza com o Chile. (Terragno)

E curiosamente San Martín, um homem que não conhecia o território, fixa sua atenção em Mendoza, um lugar até então carente de valor estratégico para enfrentar o problema que no momento representavam os ataques realistas provenientes do norte, e é justamente aí onde ocupa os anos de 1815-1816 na preparação do Exército do Chile.

Se não conhecia os homens nem o território —segundo ele mesmo confessa a Rodríguez Peña na recordada carta de abril de 1814— que razões o moveram a criar a intendência de Cuyo com três províncias poucos meses depois de chegar ao Rio da Prata? (Sejean)

Claramente se tratava de um posicionamento tendente à realização do plano Maitland, magistralmente desenhado onde estavam assinaladas todas as características que faziam ao caso: desde a meteorologia até o suborno, assinalando que a tomada do Chile significaria ter ao alcance a tomada do Peru.

O plano foi recebido e considerado seriamente pelo governo de William Pitt, O Jovem. Maitland apresentou um texto preliminar ao Secretário de Guerra, Henry Dundas (mais tarde primeiro Visconde Melville), quem o convocou para discutir detalhes. Da entrevista Dundas-Maitland surgiu o plano definitivo, que foi posto em posse do Secretário de Guerra em meados de 1800. (Terragno)

Segue assinalando Terragno que em 12 de outubro de 1804, e para tratar do projeto, que incluía a invasão de Valparaíso e com a colaboração de Francisco de Miranda também a invasão da Venezuela, Dundas se entrevistou com o mesmo Miranda, com Pitt e com Home Riggs Popham, o mesmo que em 1806, junto a William Carr Beresford, seria responsável pela invasão de Buenos Aires.

Além de desembarques simultâneos na Nova Granada e no Rio da Prata, esse plano incluiu uma expedição a Valparaíso e Lima por uma força que devia chegar da Índia. Isso coincidia com o Plano Maitland, que tanto Popham como Miranda, consultores do governo britânico nesse aspecto, deviam conhecer. (Terragno)

O projeto era aplaudido pelo “Times” de 15 de setembro de 1806 onde se afirmava: “Teremos um mercado inesgotável para nossos bens, e nossos inimigos ficarão privados para sempre do poder de se apoderarem dos recursos desses ricos países para nos hostilizar”.

Francisco de Miranda foi designado, com grau de general britânico, como chefe das forças que invadiriam a Venezuela, e Popham como chefe da expedição a Buenos Aires.

Ambas as tentativas terminaram em fracasso… relativo. Ao mesmo tempo que, após a tomada de Buenos Aires, esvaziaram os cofres do vice-reinado e enviaram a Londres até 100 toneladas de prata que se encontravam depositadas, permaneceram forças britânicas que encontraram a proteção dos agentes britânicos que exerciam atividades de contrabando e espionagem.

É certo que Beresford foi levado a Luján junto com Pack e outros chefes, e também é certo que foram hospedados no Cabildo onde gozaram de total liberdade de movimentos e comunicações. Passavam a engrossar a quinta coluna com o apoio dos quintacolunistas preexistentes, entre os quais se destacavam Saturnino Rodríguez Peña e Manuel Aniceto Padilla, relacionados com o contrabando.

Ambos personagens, segundo relata o contrabandista e espião Guillermo White, que fazia parte da rede, seriam recompensados por parte da coroa britânica com um salário diário de dez xelins.

“O erro de sua expedição”, explicaram Rodríguez Peña e Padilla ao chefe inglês, “consistiu em ter vindo em plano de conquista”. Para reparar aquilo, lhe propuseram um acordo. Um partido revolucionário declararia a independência do Vice-reinado e colocaria em liberdade todos os prisioneiros britânicos. Beresford devia garantir, por sua vez, o apoio militar da Inglaterra. (Terragno)

Seriam Rodríguez Peña e Padilla os que no ano seguinte possibilitariam a evasão de Beresford, que se uniria em Montevidéu à nova armada britânica que em 1807 levou a cabo uma nova tentativa de assalto que, ao resultar novamente fracassada, faria modificar finalmente a estratégia britânica para a invasão da América.

Uma invasão que não contaria com a presença de exércitos britânicos organizados, mas de estrategistas britânicos que seriam a sombra das cabeças visíveis da conquista, que necessariamente levariam nomes espanhóis… E ali até onde fosse possível, no vice-reinado do Rio da Prata com baixa intensidade em terra e com decidida importância no mar, contingentes importantes de veteranos das guerras napoleônicas.

Até aí, tudo normal no funcionamento de um sistema militar, que leva a efeito a realização de planos de atuação que a princípio podem resultar utópicos, que se realizam como exercícios de estratégia que em algum momento podem ser aplicados.

Quantos planos de operações são desenvolvidos pelos estados-maiores dos exércitos?… Pessoalmente desconheço, nem por aproximação, a resposta, mas suponho que é uma prática que resulta necessária para a formação de estrategistas.

O que chama muito poderosamente a atenção é a semelhança existente entre o plano que nos ocupa e a campanha militar que José de San Martín levou a cabo anos depois.

Semelhança não quer dizer que existam algumas operações que circunstancialmente pudessem coincidir com o citado plano, mas que nas atuações levadas a efeito se detecta um seguimento milimétrico da proposta de Maitland, que como assinala Rodolfo Terragno, se circunscreve ao seguinte:

1.Ganhar o controle de Buenos Aires.

2.Tomar posições em Mendoza.

3.Coordenar ações com um exército no Chile.

4.Cruzar os Andes.

5.Derrotar os espanhóis e controlar o Chile.

6.Continuar por mar ao Peru.

7.Emancipar o Peru. (Terragno)

É difícil que, ainda sendo um magnífico estrategista, nenhum militar seja capaz de desenhar essa atuação sem conhecer os pormenores militares, de sistemas de comunicação, de apoios logísticos, de fornecimentos… e de tantas questões que é necessário ter previstas para uma campanha de semelhante magnitude.

E essa era a posição de José de San Martín. Simplesmente pelo curso de sua vida, sempre afastada da América, era literalmente impossível que fosse capaz de desenhar semelhante plano.

Mas, ainda no caso de ter podido desenvolvê-lo, é ainda mais estranha a coincidência literal com um plano desenhado anteriormente por terceiros que sim tinham a capacidade de desenvolvê-lo, qual é o caso da Inglaterra, que de antigo vinha tramando ações, se não idênticas, tendentes à consecução desse mesmo objetivo.

Curiosamente foi desenvolvido por San Martín depois de ter permanecido em Londres e de ter mantido contatos que lhe proporcionaram apoio de todo tipo para levar a termo o plano. Curiosamente não se apartou do mesmo, e também curiosamente, após tê-lo resolvido com êxito, partiu da América para nunca mais voltar.

E tudo, em uns momentos em que a Inglaterra era “aliada” da Espanha; em uns momentos em que Arthur Wellesley era capitão-general dos exércitos da Espanha… Com essa situação, a Inglaterra não podia manter uma guerra aberta contra a Espanha na América, mas a supriu com a guerra sub-reptícia levada a cabo pelas lojas, que devidamente guiadas desde Londres, cumpririam os objetivos marcados.

O plano teve início em 1812 com a chegada a Buenos Aires da comitiva formada por ele mesmo junto a Francisco Vera, José Zapiola, Francisco Chilavert, Carlos María de Alvear e Antonio Arellano, todos embarcados em um navio britânico procedente de Londres, o George Canning.

Era já evidente que neste momento a Inglaterra não pretendia dominar militarmente o território. Tinha suficiente com o controle do comércio, da indústria, da pecuária… e isso o levaria a cabo graças à atuação dos contrabandistas, eternos aliados, que dariam lugar às ações que resultassem necessárias para a consecução de seus objetivos, e para o que contavam com todo o apoio britânico. E Buenos Aires já estava tomada pelo comércio inglês…

Só faltava conseguir outro Bolívar ou outro Miranda, que encabeçasse as aspirações britânicas de romper a unidade hispânica, que levasse a cabo o plano tratado, que se transferisse a Mendoza para organizar daí a invasão do Chile para levar a cabo finalmente a tomada de Lima com a ajuda de uma armada nominalmente chilena quanto ao nome dos barcos, mas servida em sua integridade por oficiais e marinhagem inglesa.

Também o navio que transportou os separatistas era britânico… e talvez como mensagem críptico, levava o nome de quem havia sido ministro de assuntos exteriores da Grã-Bretanha durante as Guerras Napoleônicas; alguém que, além disso, se vangloriou da façanha britânica na América assinalando:

“Dei vida a um mundo novo para restabelecer o equilíbrio no velho mundo”. (Terragno)

Algo que o secretário de Estado Robert Stewart, visconde de Castlereagh, o mesmo que decidiu a intervenção da Inglaterra na Espanha para combater Napoleão; o mesmo que colocou à frente do exército Arthur Wellesley, já havia assinalado justamente em 1808:

A questão de separar as Províncias Hispano-americanas da Espanha, [que] por tanto tempo ocupou vossa mente… nunca deixou de ser o objeto de minha mais fervente atenção. (Terragno)

O problema que afligia a Inglaterra era que, contrariamente ao que ocorria com Bolívar, não podia enviar tropas de mercenários pelo ressentimento que a população tinha em razão das tentativas de 1806 e 1807.

Era muito mais difícil; era necessário encontrar uma personalidade local que não levantasse desconfianças, que tivesse gênio militar, de organização e que se mantivesse alheia às ambições políticas ou às ânsias de poder para evitar conflitos internos que o distraíssem de sua missão continental. (Campos)

Tudo devia ser confiado à boa atuação de seus agentes, que demonstraram ser muito diligentes preparando o terreno para a chegada do agente San Martín.

Desde o mesmo momento da chegada de San Martín, toda sua atuação assinala que estava trabalhando para o cumprimento do plano indicado, e é que tudo faz indicar que a estrutura que acabou conformando levava já anos sendo tramada; de outro modo é difícil compreender como no dia 8 de outubro de 1812, sete meses exatos depois de sua chegada a Buenos Aires, derruba o Primeiro Triunvirato.

E quando em 1814 accedeu à governadoria de Cuyo, é difícil pensar que fosse por acaso ou por seu desejo de se encontrar no coração da zona vitivinícola rio-platense, mas sim para continuar com a tarefa encomendada pelo plano Maitland, que assinalava justamente Cuyo, e muito concretamente Mendoza, como lugar idôneo para preparar o exército destinado a cruzar os Andes.

Nesse mesmo exército se alistariam de forma voluntária os ingleses que previamente haviam sido congregados ali após as invasões anteriores, e o fariam na companhia de milícias denominada “Caçadores Ingleses”, que seriam comandados por Juan Young, Thomas Appleby e Santiago Lindsay, junto a outros que haviam espanholizado seus nomes, como Julián Leal, José Morales, Juan Antonio Ro (Roo), Pedro Juan Martínez ou Santiago Fernández. Importantes colaboradores (ou guias) de San Martín em toda sua campanha.

O desenvolvimento do Plano não pode ser mais claro, e vamos destacar do texto do mesmo traduzido por Rodolfo Terragno os aspectos mais significativos.

A respeito assinala Maitland:

Humildemente concebi um ataque sobre Buenos Aires que, para lhe dar uma alta probabilidade de êxito, se realizaria com 4.000 efetivos de infantaria, 1.500 de cavalaria desmontada e uma proporção de artilharia…/… Uma vez capturadas Buenos Aires e Montevidéu, seu objetivo deveria ser enviar um corpo a tomar posição ao pé da encosta oriental dos Andes, para cujo propósito a cidade de Mendoza é indubitavelmente o lugar mais indicado…/… Tomando o Chile, cortaremos os fornecimentos de grão, que são absolutamente essenciais para a existência das outras províncias. E estabelecendo uma comunicação com uma força que atue no leste, daremos solidez e estabilidade ao conjunto de nossa operação…/… o Peru ficaria imediatamente exposto a ser certamente capturado e, alimentando nossa força em Buenos Aires, por fim poderíamos estender nossa operação até desmantelar todo o sistema colonial, ainda pela força se resultasse necessário.

Se nós assegurarmos isso, estaremos em uma situação de esplendor comercial e naval infinitamente maior que a que temos atualmente. (Plano Maitland)

Para outubro de 1812, a primeira operação do plano havia sido conseguida com êxito por parte de San Martín, e com o controle direto da armada britânica. Menos de dois anos mais tarde, a tomada de posição em Mendoza era efetiva, o que deu lugar a abordar o passo seguinte com a criação do exército dos Andes em 1816 e a tomada do Chile em 1817.

Tudo, é preciso reconhecer, excepcional, sobretudo tendo em conta que San Martín não conhecia o território que pisava.

Não conhecia Mendoza; nunca havia estado na zona cuyana nem no Chile; tampouco nos Andes e nessa época tudo era escasso no país; não havia maior informação sobre recursos disponíveis, tanto humanos como materiais, caminhos, transportes, fábricas de armas, homens preparados em diversas disciplinas, etc.; tudo isso ou bem não existia ou era difícil encontrá-lo. Para piorar, como disse, os cofres públicos estavam exaustos.

Com todas essas limitações e dificuldades cabe pensar que a viabilidade do plano era praticamente impossível. Mas aceitemos por via de hipótese que com esforço, imaginação, com aporte e sacrifício da população do país, San Martín lograsse a formação de um exército disciplinado e equipado para passar ao Chile —em definitivo assim ocorreu e isso é mérito indiscutível de San Martín—, mas se a meta final era o Peru: de onde seriam obtidos os navios e os marinheiros necessários se tanto nós como os chilenos estávamos engatinhando nessa matéria?

Então devemos nos perguntar: como iria concluir San Martín sua tarefa?

Acaso já tinha em seus planos lord Cochrane e toda a marinhagem inglesa que o conduziu finalmente a terras peruanas? (Sejean)

Para levar a efeito a campanha dos Andes iniciou um ataque simultâneo em seis pontos distantes 2000 quilômetros. Tomou Talca, La Serena e Coquimbo e no dia 12 de fevereiro de 1817 venceu em Chacabuco a Casimiro Marcó del Pont, governador do Chile.

Essa ação havia sido meditada em 1814 quando, aliado ao agente Pueyrredón e a Bernardo O’Higgins, filho do Marquês de Osorno, vice-rei que havia sido do Peru, aperfeiçoaram o plano Maitland com a inestimável colaboração do general William Miller, que como San Martín, casualmente havia sido companheiro de armas de Wellesley e de Beresford.

Mas não eram esses os únicos contatos existentes entre San Martín e a Grã-Bretanha. Antes de iniciar a expedição ao Chile, San Martín se manteve em contato com o Comodoro William Bowles, Comandante em Chefe da estação sul-americana da Armada Real, com quem comentou os planos. Bowles escreveria ao Secretário do Almirantado uma carta datada de 26 de janeiro de 1813 na qual assinalava sobre San Martín:

Sem nenhuma reserva me preveniu contra as intrigas de particulares, cujos nomes não citou por considerá-lo desnecessário, e me assegurou que no caso de que surgisse alguma revolução anti-inglesa, voltaria do Peru para se opor a ela, e que sabia que contava com suficiente influência sobre as tropas situadas aqui, como para assegurar que estas lhe responderiam […] O gênio e a disposição de San Martín são certamente favoráveis à Grã-Bretanha, e seu otimismo aumentou desde a partida de Don Manuel de Sarratea para a Inglaterra na Fragata Britânica. (Terragno)

E não se realizaram essas ações como uma campanha das Províncias Unidas, cujo emblema existia desde 26 de janeiro de 1814, mas sim com insígnia própria, com a bandeira dos Andes, tudo o que, e conforme assinala Mauricio Javier Campos

Avisava já, que em sua ideia, o seu era um exército transnacional e não do vice-reinado rio-platense, não era um exército argentino, como ele mesmo se ocupou de provar pouco tempo depois de suas vitórias no território trasandino. (Campos)

Evidentemente se tratava de uma ação de acordo também com o espírito e obra daqueles a quem servia José de San Martín. Um exército conformado, armado e mantido à custa de grandes esforços dos rio-platenses; um exército que havia deixado exaustos os cofres já esvaziados dez anos atrás pelos mentores de todos eles, se nega a regressar a Buenos Aires, que o necessitava para livrá-lo da anarquia, e prossegue sua marcha em direção ao destino encomendado por outros.

A desculpa sanmartiniana também é própria da mentalidade de seus mentores: Não queria participar de lutas fratricidas. E a pergunta subsequente é: E o que vinha fazendo desde 1812? E a seguinte… o que podemos pensar quando, como assinala Bowles, sim teria estado disposto a utilizar seu exército no caso de que surgisse alguma revolução anti-inglesa?

Por suposto, a tarefa não era o final de sua atuação. Para arrematá-la, e uma vez tomado o Chile, não só não manda a Buenos Aires os deputados que lhe eram reclamados para celebrar a assembleia das Províncias Unidas, mas, conforme a vontade britânica, rompe a possibilidade de um país bioceânico declarando a independência do Chile. O controle dos dois oceanos ficava à disposição de quem já era o tutor dos movimentos separatistas: a Inglaterra.

A quem convinha partir em pedaços a América do Sul para que não se constituísse nela uma poderosa nação? A quem convinha que fossem múltiplos os negociadores que se sentassem a uma mesa de discussão onde sempre poderia haver vozes discordantes e interesses díspares ou representantes submetíveis por uma ou outra razão, vantagem ou prebenda? A quem convinha criar estados pequenos, fracos e insolventes que se pudesse dominar facilmente? A quem convinha dividir para reinar? (Campos)

Por outra parte, se bem é certo que a San Martín, contrariamente ao ocorrido com Bolívar, não o acompanharam unidades inteiras de militares britânicos, também é certo que o número dos mesmos que o acompanhou não era precisamente insignificante nem em número nem em capacidade de comando, como não foi insignificante a Armada nominalmente chilena e realmente a frota de Lord Cochrane, composta em sua totalidade por britânicos, ou o que é talvez mais chamativo, a correspondência mantida com a Inglaterra e com os representantes da Inglaterra, como Lord Castlereagh ou William Bowles, pedindo autorização para atuar; correspondência que não manteve com o governo das Províncias Unidas.

O plano Maitland segue assinalando:

Um golpe de mão no porto do Callao e na cidade de Lima poderia resultar provavelmente exitoso, e os captores poderiam obter muita riqueza, mas esse triunfo, a menos que fôssemos capazes de nos manter no Peru, terminaria provocando a aversão dos habitantes a qualquer conexão futura, de qualquer tipo, com a Grã-Bretanha. (Plano Maitland)

Observemos um detalhe destacado por Maitland: “os captores poderiam obter muita riqueza”. Não se trata da conversa de dois assaltantes de bancos… Não me atrevo a comentar… Se comenta por si só.

Para dar o golpe que Maitland assinala, San Martín necessitava de navios. Para consegui-los enviou seus emissários em busca de ajuda à Inglaterra e aos Estados Unidos. Não tardaria em obter resposta.

O primeiro a compor a armada seria o bergantim Águila, renomeado Pueyrredón, do qual haviam se apoderado após a batalha de Chacabuco, e que logicamente seria comandado por um servidor dos interesses pátrios… Raymond Morris.

Ao Pueyrredón se uniu o Windham, renomeado Lautaro, que foi fornecido pela East India Company, e foi capitaneado por outro “chileno de proa”, George O’Brien; A Fragata “O’higgins” ao mando de Thomas Sackville Crosbie, o bergantim Columbus, renomeado La Araucana e comandado pelo estadunidense C. W. Worcester, a fragata “Independência” de Robert Forster, a goleta “Montezuma” ao mando de John Young e o San Martín, chegado diretamente de Londres ao mando de William Wilkinson…/… E o juiz da frota, Henry Dean.

Referindo-se a essa marinha chilena dos primeiros tempos diz Mitre: Os oficiais eram em sua maioria ingleses ou norte-americanos, que não falavam uma palavra em espanhol, de maneira que, à exceção de Miller, não havia um só que pudesse dar uma voz de comando aos chilenos (Madariaga)

No final de 1819, a campanha sobre o Peru já se encontrava avançada graças ao trabalho de subversão levado a cabo pelos subversivos que precediam o exército, e o vice-reinado se encontrava em um estado de alta instabilidade.

Com essa situação no vice-reinado do Peru, San Martín, no que pode ser entendido como um motim, é investido General em Chefe do Exército Libertador do Peru em 6 de maio de 1820, desvinculando-se da disciplina das Províncias Unidas.

Redige-se a Ata de Rancagua, pela qual San Martín, por vontade de seus oficiais, passa a ser chefe do exército expedicionário. Assim se cria um exército hispano-americano com soberania flutuante que não se subordina a governo algum. Seu objetivo é concluir com o absolutismo na América, para o qual inicia em agosto de 1820 a marcha rumo ao Peru. (Galasso)

Em 20 de agosto de 1820 partia de Valparaíso um exército de 4.430 homens guiados por Thomas Cochrane a bordo do O’Higgins, que era seguido pelo San Martín, a bordo do qual ia José de San Martín. Todos escoltados por 600 ingleses.

Em 8 de setembro de 1820 estavam em costas peruanas, e em 6 de outubro dão início às operações militares tomando Ica, na encosta dos Andes.

O exército expedicionário tomou a denominação de “Exército Libertador do Peru”…/… O objeto declarado da expedição era concorrer para fundar uma nova república independente, de acordo com a política emancipadora inaugurada pelas Províncias Unidas do Rio da Prata ao empreender a reconquista do Chile. (Mitre)

Nestes momentos, e segundo Bartolomé Mitre, San Martín manifestava que a guerra não se acabaria até que não houvesse conquistado Lima, objetivo final do plano Maitland.

E o que tem de mais admirável esta concepção concreta dentro de suas linhas precisas é que ali onde previu seu gênio que a guerra continental se circunscreveria e terminaria, ali se circunscreveu, se condensou e se terminou, como Colombo encontrou a terra buscada no ponto matemático calculado. Com razão tem-se dito que a esta ideia por ele concebida e executada deve sua imortalidade. (Mitre)

Dentro do exército espanhol produzia-se um grave enfrentamento entre liberais e tradicionais.

Por sua parte, o município de Lima pedia ao vice-rei que negociasse com San Martín, ao que um grupo de oficiais pediu a destituição dos militares que haviam secundado semelhante petição e acabaram exigindo a renúncia do vice-rei Pezuela, que devia ser substituído por José de la Serna, quem assumiria o cargo em 29 de janeiro de 1821.

Os liberais apoiavam a nomeação como vice-rei do peruano Pedro Antonio Olañeta. Essa situação provocou uma grave cisão no exército.

Na noite de 28 de janeiro (1821) La Serna se retirou do acampamento de Asnapuquio. No dia seguinte, Canterac e Valdez puseram o exército em armas, e seus chefes, reunidos em junta de guerra, intimaram ao Vice-rei “entregar o mando supremo no prazo de quatro horas, por exigir assim a suprema lei da saúde dos povos, como único meio de evitar distúrbios e conservar à Espanha o Peru, que em suas mãos estava perdido, no entendimento de que estavam tomadas todas as medidas para que se cumprisse o resolvido a fim de deixar bem posto a honra nacional”. Pezuela, dominado pela força e vencido diante de sua própria consciência, resignou o mando e contestou com dignidade no mesmo dia: “Salve-se a pátria e salvem-se meus companheiros de armas, que é o que importa e seja tudo mais feliz sob o governo do Sr. La Serna”. Assim ficou consumado o movimento lealista-liberal conhecido na história com o nome de “sublevação de Asnapuquio”, que prolongou por quatro anos mais a guerra hispano-americana no Peru. Os constitucionalistas espanhóis armados, ao assumir esta atitude em nome dos direitos da mãe pátria, viram-se mais tarde obrigados pela lógica de seus deveres a manter em alto a bandeira do rei absoluto, em pugna com a independência americana e com seus princípios. (Mitre)

Mas o conflito surgiu também entre os ingleses. E é que San Martín se negou a pagar os serviços da frota, alegando que era o Chile quem devia pagar.

San Martín e La Serna parlamentarão enquanto Diego Paroissien e Juan García del Río eram enviados por San Martín novamente à Inglaterra, não a Buenos Aires, oferecendo a coroa que havia idealizado para o novo reino do Peru.

E, sem luta, foi abandonada Lima por La Serna, deixando franca a entrada para que nela entrasse vitorioso San Martín em 12 de julho de 1822.

Foi tudo isso um teatro orquestrado?… Os fatos ocorridos, foram consequência direta da sublevação de Riego?

A resposta não a vamos encontrar com facilidade nos documentos. O certo é que desde esses momentos, recordemos, janeiro de 1820, os separatistas americanos passaram a ser denominados “dissidentes” e reconhecidos como beligerantes, e foi o próprio Fernando VII quem deu origem a esse reconhecimento em seu manifesto jurando a constituição de 1812.

Bartolomé Mitre, que não é suspeito, assinala algo a respeito:

As aberturas pacíficas feitas pelo governo constitucional da Espanha fizeram conceber a esperança de um arranjo sobre a base da independência das colônias insurrecionadas, com o consentimento da metrópole e com o concurso de liberais espanhóis na América, mediante uma combinação monarquista, tal como se operou no Brasil e no México — segundo se explicará depois —, acreditando-se possível que se efetuasse igualmente no Peru. Daqui proveio a aproximação pacífica de independentes e realistas na Colômbia, no México e no Peru, e as negociações sobre a base independente e monárquica. (Mitre)

O plano que a Inglaterra havia encarregado a seu agente José de San Martín ficava cumprido, o que lhe deu liberdade para abandonar seu exército e partir para a Inglaterra, sua pátria, com a satisfação de haver cumprido as ordens recebidas.

Resulta necessário concordar com Juan Bautista Sejean que se Beresford e Whitelocke foram os artífices das invasões inglesas de 1806 e de 1807, José de San Martín foi responsável direto pela terceira.

E sua sombra, James Paroissien, viu-se nomeado diretor da britânica Associação de Mineração de Potosí, La Paz e Peru, que começou a exercer sua atividade em 1825.