Postagem original: https://www.lagazeta.com.ar/linea_federal.htm
ARTIGAS, ROSAS e FRANÇA - A LINHA FEDERAL
Produzida a Revolução de Maio de 1810 em Buenos Aires, várias províncias do Vice-Reino não aderiram ao movimento e permaneceram leais às autoridades peninsulares; entre elas, as províncias do Paraguai e da Banda Oriental do Uruguai.
Gaspar Rodríguez de Francia
No Paraguai, governava Bernardo de Velazco, espanhol que contava com a adesão da população local. A Junta revolucionária de Buenos Aires enviou duas missões para tentar conquistar a adesão paraguaia à causa revolucionária, mas ambas fracassaram.
Enquanto isso, a Junta portenha organizava um exército “auxiliar” sob o comando de Manuel Belgrano, com o objetivo de “convencer” as autoridades de Assunção. Contudo, ao ingressar em território paraguaio, os habitantes demonstraram forte rejeição, sentindo-se invadidos por um exército estrangeiro, ainda que este ostentasse a bandeira espanhola como própria. Os moradores recuaram para o interior, levando consigo os mantimentos que puderam transportar. Finalmente, ocorreram os confrontos em Paraguarí
Com o isolamento, o Paraguai tornou-se um país autônomo, sem dívidas nem ingerência estrangeira, com altos índices de alfabetização e dono de sua própria produção, indústria e comércio. Esse isolamento se manteve durante todo o governo de Rodríguez de Francia, que faleceu em 1840.
Seu sucessor foi Carlos Antonio López, que em 1842 solicitou a Rosas o reconhecimento da independência paraguaia. Rosas recusou o pedido e advertiu sobre o perigo da separação, alegando que ambas as partes se enfraqueceriam e se tornariam presas fáceis de potências estrangeiras e do Brasil — previsão que se cumpriria vinte anos mais tarde com a trágica Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1865-1870), na qual pereceu 75% da população paraguaia.
Rosas não buscava incorporar o Paraguai pela força, mas sim por decisão voluntária. A mesma postura manteve em relação à Banda Oriental e à Bolívia.
José Artigas
A Banda Oriental também não aderiu à Revolução de Maio. Montevidéu permaneceu fiel às autoridades peninsulares. José Artigas, então oficial do exército espanhol, abandonou seu posto no regimento de Blandengues e dirigiu-se, com poucos companheiros, a Buenos Aires, onde propôs à Junta levar as bandeiras da revolução até Montevidéu.
No retorno, deteve-se alguns dias em Entre Ríos, estabelecendo contatos. Nesse ínterim, em fevereiro de 1811, ocorreu o episódio conhecido como “O Grito de Asencio”. Um grupo de homens da campanha oriental, de diferentes condições sociais, reuniu-se às margens do arroio Asencio e, em 28 de fevereiro de 1811, declarou-se em rebeldia contra as autoridades montevideanas. À sua chegada, Artigas foi naturalmente reconhecido como caudilho dos orientais.
Em 1813, Buenos Aires convocou um Congresso Constituinte, a Assembleia do Ano XIII, convidando as províncias a enviar deputados. A assembleia era fortemente influenciada pelos diretores, defensores do centralismo portenho. O Paraguai se absteve de participar, alegando diversos motivos, enquanto a Banda Oriental enviou seus representantes.
Em 13 de abril, José Artigas enviou as Instruções aos Deputados orientais, nas quais se propunha, em essência, a formação de uma confederação de províncias autônomas. No artigo 19, estabelecia: “Que precisa e indispensavelmente seja fora de Buenos Aires o local de residência do Governo das Províncias Unidas”. Era pedir demais; sob justificativas formais, os diretores rejeitaram a incorporação dos representantes orientais ao Congresso. Isso provocou o progressivo afastamento de Artigas, que seria nomeado mais tarde Protetor dos Povos Livres, federação formada pelas atuais províncias de Entre Ríos, Corrientes, Misiones, Santa Fé e Córdoba, com sede de governo em Purificación, próximo ao atual Paysandú. Artigas convidou Francia a integrar a Liga, mas este, desconfiado e em parte para evitar conflitos com Buenos Aires, recusou.
Em junho de 1815, Artigas convocou o Congresso de Arroyo de la China (atual Concepción del Uruguay, Província de Entre Ríos), também chamado Congresso do Oriente, no qual foi declarada a independência da Espanha e de qualquer potência estrangeira. Buenos Aires desconsiderou as resoluções, convocando o Congresso de Tucumán, ao qual não compareceram as províncias integrantes da Liga dos Povos Livres, com exceção de Córdoba, que participou de ambos.
Os desentendimentos de Artigas com Buenos Aires se agravaram com a invasão portuguesa à Banda Oriental, diante da indiferença — ou cumplicidade — portenha. Isso levou à ruptura definitiva entre Artigas e Buenos Aires em 1820. Após a batalha de Cepeda e o Tratado do Pilar, deu-se o enfrentamento entre o caudilho entrerriano Francisco “Pancho” Ramírez e José Artigas. Derrotado, este partiu para o exílio definitivo no Paraguai.
Após a epopeia dos “33 Orientais” (abril de 1825), foi convocado o Congresso de Florida (agosto de 1825), no qual se declarou:
“Írritos, nulos, dissolvidos e de nenhum valor para sempre, todos os atos de incorporação, reconhecimentos, aclamações e juramentos arrancados aos povos da Província Oriental pela violência da força unida à perfídia dos poderes intrusos de Portugal e do Brasil, que a tiranizaram, oprimiram e usurparam seus inalienáveis direitos, sujeitando-a ao jugo de um despotismo absoluto desde o ano de 1817 até o presente de 1825. E visto que o Povo Oriental aborrece e detesta até mesmo a lembrança dos documentos que compreendem tão ominosos atos…” (Art. 1º).
“… reassumindo a Província Oriental a plenitude dos direitos, liberdades e prerrogativas inerentes aos demais povos da terra, declara-se de fato e de direito livre e independente do Rei de Portugal, do Imperador do Brasil e de qualquer outro do universo, com amplo e pleno poder para adotar as formas que, no uso e exercício de sua soberania, julgar convenientes. Para resolver e sancionar tudo quanto tenda à sua felicidade, declara: que seu voto geral, constante, solene e decidido é — e deve ser — pela união com as demais Províncias Argentinas, às quais sempre pertenceu pelos vínculos mais sagrados que o mundo conhece…”
E, em consequência, sancionou e decretou como lei fundamental: “Fica a Província Oriental do Rio da Prata unida às demais deste nome no território da América do Sul, por ser a livre e espontânea vontade dos povos que a compõem, manifestada em testemunhos irrefutáveis e esforços heroicos desde o primeiro período da regeneração política das referidas Províncias”. (Art. 2º).
Juan Manuel de Rosas
Alguns alegam que Rosas, enquanto governador de Buenos Aires, teria agido como unitário e não como federal. No entanto, Rosas possuía a típica cultura federal: defensor da hispanidade, da tradição, da Pátria, opositor do liberalismo e protetor da chamada “Santa Federação”. Nesse espírito, sempre respeitou as autonomias regionais e provinciais. Nunca invadiu territórios, preferindo exercer sua influência por meio da política, da correspondência e do respeito que inspirava.
No conflito na Banda Oriental entre Manuel Oribe e Fructuoso Rivera — este último havia declarado guerra a Rosas —, não enviou um exército de Buenos Aires, mas sim uma força auxiliar em apoio a Oribe.
Na ocasião do levante unitário da “Liga do Norte” (Lavalle, Gral. Paz e Lamadrid), Rosas também não enviou tropas próprias, mas sim um exército da Confederação sob o comando do oriental Oribe, com o intuito de evitar o ciúme ou a desconfiança das demais províncias, conforme declarou.
Quando Carlos López, em 1842, solicitou o reconhecimento da independência do Paraguai, Rosas respondeu em nota oficial que não aprovava nem desaprovava tal pedido, pois não possuía atribuições para tanto; a questão deveria ser tratada entre todas as províncias, assim que a pacificação fosse alcançada.
Durante a revolta unitária em Corrientes, Carlos López enviou um exército comandado por Francisco Solano López em apoio à rebelião. Rosas ordenou a Urquiza que expulsasse as tropas paraguaias da província de Corrientes, mas que, em hipótese alguma, cruzasse o rio Paraná.
Na guerra contra o ditador Santa Cruz, da Confederação Peruano-Boliviana — que, em conluio com Cullen e os unitários de Montevidéu, pretendia anexar as províncias do Norte —, após a vitória argentina, um grupo de generais, por meio do general Pacheco, propôs a Rosas que aproveitasse a oportunidade para reincorporar a Bolívia à Confederação. Rosas respondeu em extensa carta afirmando que isso jamais aconteceria enquanto ele estivesse no governo, pois seria aproveitar-se da situação e criaria um ressentimento duradouro. Seria mais conveniente, dizia ele, esperar que os bolivianos se organizassem e aderissem voluntariamente à Confederação.
Nas negociações decorrentes do bloqueio anglo-francês, Rosas recusou-se a negociar separadamente com as potências europeias sem considerar a opinião de Manuel Oribe, a quem reconhecia autoridade sobre a Banda Oriental.
Esses são apenas alguns exemplos.
Quanto à acusação de ser “pró-inglês”, os unitários baseavam-se principalmente em dois argumentos: o respeito de Rosas aos comerciantes britânicos e o fato de não ter recuperado as Ilhas Malvinas.
Em relação ao primeiro ponto, é preciso notar que Rosas era profundamente legalista e, como tal, respeitou o tratado de amizade de 1825 com a Inglaterra. Porém, quando anglo-franceses tentaram violar a soberania argentina, navegando livremente pelos rios interiores, Rosas opôs-se tenazmente: suspendeu o pagamento da dívida do Empréstito Baring de 1824, infligiu-lhes derrota militar, obrigou-os a devolver os navios capturados e a saudar com 22 tiros de canhão o Pavilhão Nacional.
Quanto à recuperação das Malvinas, a Confederação não tinha condições de retomá-las pela força: a esquadra havia sido entregue pelos unitários como pagamento da dívida do Empréstito Baring. Ainda assim, Rosas nunca deixou de reivindicá-las, tanto na imprensa como anualmente perante a Legislatura. Além disso, tentou recuperá-las por meio de uma manobra diplomática: ordenou a Manuel Moreno, representante em Londres, que, “a título pessoal”, oferecesse as Malvinas em troca da dívida. Caso os ingleses aceitassem, estariam reconhecendo que as ilhas pertenciam à Confederação; bastaria então desautorizar o representante em seu oferecimento “pessoal”, para que a soberania argentina ficasse implicitamente reconhecida. Infelizmente, os britânicos não aceitaram a proposta.
Por iniciativa de Juan Manuel de Rosas, em 4 de janeiro de 1831 foi assinado o Pacto Federal entre as províncias de Buenos Aires, Santa Fé e Entre Ríos, com convite à posterior adesão das demais. Tratava-se, essencialmente, de um pacto de defesa mútua, pelo qual se delegava a Rosas a condução das Relações Exteriores.
Em notável documento conhecido como “Carta de Hacienda de Figueroa”, enviado por Rosas a Facundo Quiroga em 20 de dezembro de 1834, tratando da formação de uma Confederação de províncias e da convocação de um congresso, Rosas afirmava:
“A questão sobre o local de residência do Governo costuma ser de grande gravidade e relevância, devido aos ciúmes e emulações que desperta nos demais povos, além das complicações que advêm na corte ou capital da República pela coexistência com as autoridades do Estado particular a que pertence. Tais inconvenientes foram de tamanha gravidade que obrigaram os norte-americanos a fundar a cidade de Washington, hoje capital daquela República, que não pertence a nenhum dos Estados confederados”.
A linha federal
Como podemos observar, o pensamento dos três homens — Francia, Artigas e Rosas — era convergente.
Com a queda de Rosas, o liberalismo centralista portenho assumiu a iniciativa. O governo oriental, de orientação federal (blanco), foi afastado e, com o colorado Venancio Flores no poder e Bartolomé Mitre na presidência da Argentina, formou-se, em aliança com o Brasil, a Tríplice Aliança contra o Paraguai. O Paraguai foi destruído, e o federalismo no Rio da Prata ficou arruinado.
A partir de então, recorrendo a sucessivos empréstimos, os países da Bacia do Prata se tornaram presas fáceis do imperialismo inglês.
Fuente: - Castagnino Leonardo Soy Federal. Artigas,
Rosas y Francia. La línea histórica Federal
- La Gazeta Federal www.lagazeta.com.ar