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História de uma traição
A história oficial oculta e distorce os verdadeiros fatos e os reais motivos da luta na Confederação entre 1828 e 1852. Apresenta-os como o embate de alguns unitários “iluminados”, exilados em Montevidéu, contra um tirano que se ergue ao poder pelo terror. Nada disso corresponde à realidade.
Rosas assume o poder a pedido reiterado da legislatura e após um plebiscito quase unânime. Sua visão inteligente e abrangente da política internacional permitiu-lhe perceber claramente como inimigo o Império do Brasil e a política liberal extranjerizante, representada localmente pelos unitários.
Os unitários, visando apenas obter o poder, não hesitam em aliar-se ao estrangeiro e provocar toda sorte de intrigas. Em Montevidéu, apoiados por França e Inglaterra, sustentam Fructuoso Rivera contra Oribe, presidente legal.
O Império do Brasil ainda almejava anexar a “Cisplatina”, frustrada em Ituzaingó, e obter territórios na bacia do Prata.
Rosas pretendia abandonar o cargo de governador por razões de saúde, após vinte anos de intensa atividade. Ante a iminência de guerra com o Império, a legislatura insistiu para que ele permanecesse, e Rosas mais uma vez teve de calçar as botas em defesa da Confederação.
Dessa forma, a segunda guerra argentino-brasileira estava quase declarada. Restava apenas a declaração formal de guerra, à qual o Brasil não se atrevia, preocupado com problemas internos. Antes mesmo de começar, o Império já se via derrotado, e surgiu o “milagre brasileiro”: a traição do general em chefe do Exército argentino, que passou-se ao inimigo com todo o seu exército.
Somente a mente deturpada de certos historiadores pode ocultar ou mesmo disfarçar tal traição, ocorrida quase no campo de batalha.
CASEROS – O PRINCÍPIO DO FIM. 3 de fevereiro de 1852
Caseros não foi uma batalha entre “federais” e “unitários”. Foi a batalha da segunda guerra argentino-brasileira, o embate de federais contra a aliança de brasileiros e traidores. A luta entre unitários e federais não se restringia ao plano interno; estava também em jogo a política de dominação inglesa no Rio da Prata. San Martín percebeu isso desde o início, e em carta a Rosas, referindo-se ao ataque militar francês de 1839, escreveu: “…o que não posso conceber é que haja americanos que, por indigno espírito de partido, se unam ao estrangeiro para humilhar sua pátria e reduzi-la a uma condição pior do que a que se sofria sob o domínio espanhol; tal felonia nem o túmulo pode apagar…”.
Diante da segunda intervenção imperialista de França e Inglaterra, San Martín escreveu a Guido em 10 de abril de 1845: “O que me diz da intervenção anunciada da Inglaterra, França e Brasil em nossa contenda com a Banda Oriental?… ela se prolongará por tempo indefinido e, por conseguinte, prejudicial aos interesses dos beligerantes e neutros…”.
Já declarado o bloqueio imperialista à Confederação Argentina, San Martín denuncia a agressão em carta a Guido, de 20 de outubro de 1845: “…é inconcebível que as duas maiores nações do mundo se unam para cometer a maior e mais injusta agressão contra um Estado independente. Basta ler o manifesto feito pelos enviados inglês e francês para convencer até o mais parcial da atroz injustiça com que procederam. E se atrevem a invocar a humanidade aqueles que permitiram – por quatro anos – derramar sangue e, quando a guerra cessou por falta de inimigos, não intervieram para evitar males, mas sim para prolongá-los indefinidamente. Sabe que não pertenço a nenhum partido; erro: sou do Partido Americano, assim não posso deixar de sentir profundamente os insultos feitos à América. Mais do que nunca lamento que meu estado deplorável de saúde me impeça de atuar na defesa dos direitos sagrados da pátria, direitos que os demais estados americanos se arrependerão de não ter defendido ou ao menos protestado contra toda intervenção europeia…”.
Muitos perceberam que Caseros não era uma guerra interna. Martiniano Chilavert, unitário, ao saber que sua pátria seria invadida por tropas brasileiras comandadas por Urquiza, abandonou o exílio em Montevidéu e cruzou o rio para se colocar às ordens do Restaurador, que, conhecendo sua coragem e experiência militar, confiou-lhe a artilharia. Houve muitos “passados” para o Exército Federal, como o batalhão de Aquino, que viram sua pátria invadida pelo Império.
A batalha de Caseros não significou apenas o fim de um governo ou de uma “tirania”. Não foi apenas uma luta interna. Representou o colapso da resistência americana frente ao imperialismo internacional e o ponto de inflexão para a imposição do liberalismo. Após Caseros, e especialmente depois de Pavón, a influência britânica avançou decisivamente nas relações internas argentinas e no comércio exterior.
A desunião americana
O sonho de Bolívar e San Martín era libertar a América e constituir uma grande pátria hispano-americana. Outros americanos, como Rosas, seguiram essa linha. Porém, não interessava aos ingleses permitir a formação de um novo império hispano-americano difícil de controlar; preferiam várias nações menores, sobre as quais poderiam impor mais facilmente sua vontade, seu “comércio” e, posteriormente, sua “distribuição internacional do trabalho”, na qual a Hispano-América forneceria matérias-primas e os ingleses retornariam produtos manufaturados com até dez vezes seu valor. Também não aceitariam que uma única nação dominasse ambas as margens do Prata e, por isso, incentivaram a criação de uma região independente na Banda Oriental e na Mesopotâmia.
Castlereagh (secretário de Estado durante as invasões inglesas) afirmava sobre a América do Sul: “parece indispensável que não nos apresentemos de nenhuma outra forma que não seja como auxiliares e protetores”, embora isso não tenha impedido os ingleses de invadir Buenos Aires duas vezes, fazer jurar fidelidade ao seu rei e levar o tesouro real para repartirem entre os oficiais como espólio de guerra. (Ver As 12 invasões inglesas)
“O interesse particular que deveríamos ter aqui seria privar nosso inimigo de um de seus recursos principais e abrir nossos mercados de manufaturas naquele grande continente” (Castlereagh)
“O feito está consumado, o prego está cravado. A Hispano-América é livre e, se não administrarmos tristemente nossos assuntos, será inglesa.” (George Canning, 1825)
O tratado anglo-argentino de 1825 estabelecia a “reciprocidade” para os habitantes de ambos os estados, permitindo-lhes “…gozar, respectivamente, da franquia de chegar segura e livremente com seus navios de carga a todos os portos, rios e localidades dos referidos territórios…”, como se os navios argentinos pudessem navegar pelo Tâmisa para competir com os tecidos ingleses. Esse tratado, disfarçado de “reciprocidade”, apenas garantia a proteção do comércio inglês e justificava o uso da força caso não fosse cumprido.
Dentro dessa política, os ingleses apoiaram sucessivamente diferentes nações para enfraquecer as mais fortes, fomentando guerras e ressentimentos entre povos irmãos. Foi assim que se desencadearam e fomentaram a Guerra da Tríplice Aliança (Brasil-Argentina-Uruguai-Paraguai), a guerra paraguaio-boliviana, a chileno-peruana, a argentino-boliviana, entre outras. (Ver “Os ingleses dos ingleses”)
A época rosista
A lei de alfândega de 1835 impediu o “livre comércio” irrestrito e incentivou a nascente indústria interna, medida que foi elogiada por várias legislaturas provinciais. Respeitou os direitos dos ingleses previstos no tratado de 1825, mas não lhes abriu livremente a navegação pelos rios, como se o Paraná fosse o Tâmisa.
“A disposição dos novos estados americanos é altamente favorável à Inglaterra. Se aproveitarmos essa disposição, poderemos estabelecer, por meio de nossa influência, um eficiente contrapeso contra os poderes combinados dos EUA e da França, com quem, cedo ou tarde, teremos contendas” (Canning, o mesmo que homenageamos com uma rua em Buenos Aires, hoje Scalabrini Ortiz) e, referindo-se à era napoleônica, acrescentou: “Vossa seja a glória do triunfo, seguida pelo desastre e pela ruína; nossa seja a prosperidade crescente e o comércio sem glória. A era da cavalaria passou e deu lugar à era dos economistas e calculadores”
Essa visão de Canning não impediu a Inglaterra de utilizar a força para exigir a livre navegação dos rios interiores e bloquear Buenos Aires, nem de aliar-se à França nessa tentativa. Esta, em busca de glórias perdidas, questionava: “Em tempos tão pobres de glória e por tanto tempo, não deveria o governo francês aproveitar a ocasião para adquirir um pouco de glória?” (Deputado Delisle, Assembleia Nacional da França, 30-04-1850, JMR, La Caída, T.1-225)
“É uma política limitada considerar este ou aquele país como destinado a ser aliado perpétuo ou inimigo eterno da Inglaterra. Não temos aliados perpétuos nem inimigos eternos. Nossos interesses são o que perdura e é eterno.” (Lord Palmerston, Parlamento britânico, durante o bloqueio anglo-francês ao Rio da Prata, 1848)
Contudo, a Inglaterra e a França não encontrariam fácil nem gratuita a tarefa de subjugar a Confederação de Rosas. Em resposta a consulta escrita do comerciante inglês Jorge Frederico Dickson sobre uma possível invasão terrestre, San Martín respondeu, em 28 de dezembro de 1845, com a seguinte análise: “…Bem conhecida é a firmeza do caráter do Chefe que preside a República Argentina… com sete ou oito mil homens de cavalaria — força que o General Rosas pode manter com grande facilidade — é suficiente não apenas para manter um bloqueio terrestre sobre Buenos Aires, mas também para impedir que um exército europeu de 20.000 homens avance a mais de trinta léguas da capital sem se expor à ruína completa por falta de recursos, tal é minha opinião, e a experiência o demonstrará, a menos que, como se espera, o novo ministro inglês mude a política seguida pelo anterior…”
Esta carta a Dickson influenciou os ânimos e os acontecimentos. Em carta a Guido, em 10 de maio de 1846, San Martín expressa: “…já conhecia a ação de Obligado; todos os interventores viram que os argentinos não são empanadas que se comem sem esforço algum além de abrir a boca…”
Nas batalhas de Vuelta de Obligado, Toneleros e Quebracho, a frota anglo-francesa sofreu danos suficientes para perceber sua impotência diante da posição firme de Rosas: “Devemos aceitar a paz que Rosas deseja, pois continuar a guerra nos seria desvantajoso” (Palmerston, Parlamento inglês, ao solicitar aprovação do tratado Southern-Arana)
E, juntos ou separadamente, foram obrigados a engolir a derrota e a respeitar o pavilhão nacional com 21 salvas de canhão.
“Rosas não ataca, mas sabe se defender, e sua política se expressa em frases simples, porém contundentes, que costuma repetir: ‘Quem me faz o mal, paga. Quem me procura, me encontra. E ao som que me tocam, eu danço.’” (De Angelis, dezembro de 1850, JMR, T.1.230)
“Se há de se reconhecer a verdade histórica, concordemos que Rosas foi fiel executor das leis de emissão e rigoroso no cumprimento das leis orçamentárias. Durante sua longa administração, foram queimadas grandes quantidades de papel-moeda e amortizados milhões em fundos públicos conforme as leis vigentes. Essa conduta impediu a desvalorização da moeda, colocando o mercado em posição de rápida reação quando as vicissitudes da guerra o permitiam. Comércio e estrangeiros confiavam na honestidade administrativa do Governador.” (José Antonio Terry, “Contribuição à história financeira”, centenário de maio de 1910, transcrito em seu livro “Finanças”, 2ª edição, p. 442. Terry foi Ministro de L. Sáenz Peña, Roca e Manuel Quintana)
Outra seria a história após Caseros.
O traidor
Urquiza não teve visão suficiente para conduzir a política “de grande porte”. Genial militar e hábil comerciante, acumulou uma fortuna em uma mistura de negócios legais, duvidosos e “vendidos”. Durante muitos anos fora caudilho e governador de sua província, mas pouco aprendera sobre política de abrangência continental. Seu falso orgulho, ambição desmedida e delírios de grandeza impediram-no de perceber os sutis movimentos da política e da grande diplomacia nos bastidores; seria conduzido pela diplomacia inglesa e brasileira como um tolo ao banheiro.
Egocêntrico ao extremo, decorou seu “Palácio San José” com cenas épicas de suas batalhas e, ao se barbear, talvez se visse no espelho como Alexandre, César ou Napoleão.
Vaidoso, desconfiado e ciumento ao extremo, desconfiava até de sua própria sombra e de seus íntimos, o que lhe provocava fúrias incontroláveis.
Coronado, seu secretário, relata que “seriam cerca de duas da tarde quando o general Urquiza se retirou para seus aposentos após concluir a refeição. Momentos depois, saiu com um rifle que tinha o hábito de carregar sempre que entrava na quinta, dirigindo-se à glorieta, de onde observava com facilidade o que acontecia no primeiro e segundo pátio de San José… Ao ver passar o jovem Franklin Bond Rosas do lado oposto ao que estava alojado, o general se lançou como uma fúria, acreditando que surpreenderia Franklin em conversa com sua senhora ou alguma das filhas… Frenético, avançou sobre o jovem, cheio de impropérios e ameaças com o rifle. Franklin, atacado e sem armas para se defender, entrou na sala ao lado, onde estava lendo o senhor Haedo, sendo seguido pelo general com ferocidade, que poderia ter terminado em assassinato se o agredido não tivesse desviado prontamente a arma dirigida ao peito… Todas as pessoas presentes em San José saíram apavoradas, algumas fugindo pelo campo, outras para não presenciar tal cena repugnante… só se ouviam os prantos e lamentações da esposa e familiares do general, cujas vozes se misturavam às blasfêmias e impropérios do general. A senhora de Urquiza, com um filho nos braços chorando, cabelos desgrenhados e rosto banhado em lágrimas, dirigiu-se à secretaria… e então aquele furor, que momentos antes teria devorado tudo, inclinou a cabeça, refletiu e se mostrou triste e pensativo” (Coronado, Misterios de San José).
Um verdadeiro caudilho de sua província, seguido fielmente por seus compatriotas, sua luta permanente era conservar sua posição e fortuna ou assumir o papel de patriota: “O Libertador” após Caseros, “O Pai da Constituição” em 1852, “O grande e bom amigo” (Pedro II), “O grande homem da América” (Alberdi), “O Washington da América do Sul” (Mitre, após Pavón). Navegando com um pé em cada canoa, queria manter Rosas por perto, flertava com Verón de Astrada, buscava a aliança de López para lutar contra Buenos Aires e tramava acordos com o Brasil para subjugar López, a quem pedia seus vapores para atacar Buenos Aires, oferecendo-se também aos ingleses para se vingar de López diante da recusa deste, e se apresentava como mediador junto aos norte-americanos para obter seu apoio. Chamava-se federal, mas coabitava com os liberais sem poder controlá-los; dizia-se patriota, mas oferecia seu exército ao Brasil por alguns patacões e por sua própria glória.
O que o perdeu foi seu orgulho e seus delírios de grandeza. Enredado nas palavras de louvor que o impediam de enxergar a realidade, derrotado por uma politiquice que não compreendia, optou por se retirar para seu feudo pessoal, cuidar de sua fortuna e de sua fama.
Durante o primeiro bloqueio francês e o subsequente bloqueio anglo-francês, já flertara com o inimigo, cogitando “pronunciar-se” para criar uma república independente na Mesopotâmia (Entre Ríos e Corrientes, e talvez Paraguai e Banda Oriental), com ele como “Supremo”. Isso lhe valeu algumas “apertadas de bolas” por parte de Rosas, como ocorreu em razão do Tratado de Alcaraz. Em cada gesto contra Rosas, obtinha algum benefício, pois Rosas, conhecendo com que bueyes arava, lhe dava corda ou puxava habilmente, sem cortar o laço. Contudo, na guerra com o Brasil (que a Confederação tinha ganhado de antemão), calculou mal Rosas, e jamais imaginou que Urquiza abandonaria seu “patriotismo federal”, sua honra e até sua “memória póstuma”, passando para o lado inimigo com todo o exército da Confederação, por alguns patacões e uma glória que nunca obteve nem soube conquistar. (Ver O milagre de Bragança)
Após Caseros, pressionado por unitários, maçons, doutores, brasileiros, ingleses e até pelo compadre López, finalmente desapareceu em Pavón, talvez desiludido, cansado ou “vendido”, e retirou-se para seu palácio em San José para desfrutar de sua fama e fortuna até morrer às mãos de López Jordán, sem conseguir levar consigo sequer um patacão das muitas traições cometidas. Restou-lhe apenas alguma fama preservada pelos “historiadores oficiais” e alguns nomes de ruas ou monumentos, como o mal situado onde ficava a estância particular de Juan Manuel (Av. Figueroa Alcorta e “Sarmiento”).
Pouco valeram os patacões que conseguiu nem a glória que não soube conservar; pouco tempo após Caseros, já se arrependia e queria chamar Rosas para “tirar-lhe as castanhas do fogo”: “Há um único homem para governar a Nação Argentina, e é Don Juan Manuel de Rosas. Estou pronto para implorar que volte aqui” (maio de 1852, Urquiza ao representante inglês Gore, ao se dirigir ao encontro de San Nicolás. J. M. Rosa, História Argentina, Tomo VI, p. 34). Mas já era tarde e a desgraça estava consumada. Rosas, vencido pelo tempo, pela extenuante tarefa de vinte anos de governo e pela ação conjunta de unitários e traidores, brasileiros, ingleses e franceses, fora derrotado em Caseros e retirou-se ao exílio, afirmando ao renunciar: “Se mais não fizemos, é que não pudemos”. Já não desejava voltar, nem mesmo a pedido de Urquiza, nem pelos federais que tentaram trazê-lo mediante revolução — à qual Rosas jamais se teria aderido “contra um governo legalmente constituído”. (Ver O que Rosas não fez)
Urquiza tentou corrigir parcialmente seu erro, levantando a confiscação dos bens pessoais de Rosas (adquiridos antes de ser governador), permitindo que Terrero vendesse a estância “San Martín” de Rosas (os demais bens seriam posteriormente confiscados pelos unitários, entre outras razões, para pagar os bonoleros) e até enviou alguns pesos para a Inglaterra — gesto que Rosas teve a delicadeza de agradecer. Mas já era tarde; Rosas estava em sua fazenda na Inglaterra, afastado da política, vivendo modestamente de seu trabalho e organizando seus documentos para o julgamento da história.
“Os mesmos que contribuíram para sua queda guardam-lhe bons sentimentos; não esquecem a consideração devida àquele que fez tão grande figura no país e aos serviços elevados que prestou, os quais sou o primeiro a reconhecer, e cuja glória ninguém pode arrancar-lhe” (1858, Justo José de Urquiza, carta a Rosas, 24 de agosto de 1858. Extraído do livro de Mario César Gras, Rosas y Urquiza. Sus relaciones después de Caseros, Edic. del Autor, Buenos Aires, 1948). Precisamente, foi Urquiza “quem quis arrancar-lhe a glória, mas não pôde”. (Ver Rosas não morreu)
1851 – A Traição
O império do Brasil, que se encontrava em frangalhos devido às suas próprias lutas internas (ver República do Rio Grande), à abolição da escravidão, entre outros problemas, comprometido em uma declaração de guerra contra a Confederação e numa guerra perdida antes mesmo de começar, como último recurso para tentar reverter sua situação, enviou a Urquiza uma proposta de aliança ou, ao menos, para que se mantivesse à margem do conflito. Urquiza, “ofendido em seu honor”, respondeu por escrito ao Império e ainda fez publicar sua nota no jornal El Federal Entre-Riano:
“Eu, governador e capitão-general da província de Entre Ríos, parte integrante da Confederação Argentina e general-em-chefe de seu Exército de Operações, que visse esta ou sua aliada, a República Oriental, em uma guerra na qual se discutissem questões de vida ou morte vitais para sua existência e soberania… como poderia o Brasil, mesmo que por um instante, imaginar que eu permaneceria frio e impassível espectador de tal contenda, em que se joga nada menos que a sorte de nossa nacionalidade ou de suas mais sagradas prerrogativas, sem trair minha pátria, sem romper os indissolúveis vínculos que a ela me ligam, sem manchar com tal ignomínia todos os meus antecedentes?… Que o Brasil esteja certo de que o general Urquiza, com os 14 ou 16 entrerrianos e correntinos sob seu comando, saberá, no caso indicado, lutar nos campos de batalha pelos direitos da pátria e sacrificar, se necessário, sua pessoa, seus interesses e tudo o que possui”
E não satisfeito apenas com a resposta, publicou ainda no mesmo jornal El Federal Entre-Riano o editorial: “Que todo o mundo saiba que, quando um poder estrangeiro nos provocar, essa será a circunstância inevitável em que se verá o imortal general Urquiza ao lado de seu honrado companheiro, o grande Rosas, sendo o primeiro a vingar a América com sua nobre espada”.
Logo em seguida, e por alguns patacões, assumiu seu verdadeiro papel de traidor — que sempre tivera — passando para o lado inimigo com todo o exército da Confederação, concedendo assim uma vitória ao Brasil, que, sem imaginar, obteve a revanche de Ituzaingó, conquistando por meio da “diplomacia” e das armas argentinas uma guerra que já estava perdida.
A traição de Urquiza foi tão abjeta que nem os próprios brasileiros conseguiam acreditar. Pontes, diplomata brasileiro, chegou a perguntar: “Mas Urquiza agirá de boa-fé? Não será uma encenação entre ele e Rosas? …!!! O general do Exército da Confederação…!!!” (não podia acreditar…).
A traição de Urquiza deu origem ao “milagre da casa de Bragança”; o zarevich, que entregou os planos da batalha para derrotar seu próprio exército, apesar de sua loucura, foi estrangulado pelos soldados na fortaleza de Ropcha; o traidor Urquiza, por outro lado, conta com monumentos em sua memória.
Os Patacões
O Brasil foi a segunda potência, depois da Inglaterra, a desfilar triunfante por Buenos Aires. Após a “Batalha de Monte Caseros”, as tropas de Dom Pedro II demoraram seu desfile pelas ruas da cidade, de 3 a 20 de fevereiro, para comemorar com a derrota da Confederação o que foi chamado de “a revanche de Ituzaingó” — vinte e cinco anos após a derrota imperial. Caxias enviou, em 12 de fevereiro de 1852, o relatório da batalha ao seu ministro da Guerra, Souza e Mello:
“Cumpre-me comunicar a Vossa Excelência, para que o faça chegar a Sua Majestade, o imperador, que a citada 1ª Divisão, parte do Exército Aliado que marchou sobre Buenos Aires, realizou prodígios de valor, recuperando o honor das armas brasileiras perdido em 20 de fevereiro de 1827.” (Data da batalha de Ituzaingó, vitoriosa para as tropas argentinas.)
Não surpreende, portanto, que, apesar de a derrota de Rosas ter ocorrido em 3 de fevereiro, o ingresso triunfal das tropas da aliança argentino-brasileira só tenha ocorrido em 20 de fevereiro. Sem dúvida, tratou-se de imposição dos brasileiros, que Urquiza acatou.
“…Nós, no Brasil, estamos na doce ilusão de que a Divisão brasileira de Manuel Marques de Souza foi a verdadeira decisora da batalha de Caseros. E mesmo que seu papel não tenha sido o principal, o Visconde de Porto Alegre foi um dos vencedores da guerra e poderia ser chamado por Jourdan de vencedor, sem exagero, como faz. Sabemos perfeitamente que, nunca tendo derrotado um general argentino nos subúrbios do Rio de Janeiro e desfilado triunfalmente com suas tropas, bandeiras abertas, ao som da música, ainda que ao lado de nossos revolucionários, não é nada agradável para nossos estimadíssimos vizinhos que o Visconde de Porto Alegre tenha obtido tal glória” (A Guerra do Rosas, 143-144).
O chefe argentino pareceu se arrepender e decidiu, sem consultar ninguém, que o desfile ocorreria em 19 de fevereiro, mas seu equivalente brasileiro manteve-se firme: “A vitória desta campanha é uma vitória do Brasil, e a Divisão Imperial entrará em Buenos Aires com todas as honras que lhe são devidas, queira Vossa Excelência ou não”. Urquiza tentou uma última estratégia para evitar o desdouro diante de seus compatriotas de desfilar à frente de tropas estrangeiras: informou erroneamente o horário do desfile e iniciou a marcha de mau humor, que manteve durante toda a cerimônia, montado em um cavalo com a marca de Rosas, qualificado por Sarmiento de “magnífico”. Para consternação dos unitários, usava uma larga faixa púrpura na lapela, reivindicando-se como Federal. Nem mesmo compareceu ao palanque, onde era esperado por autoridades, diplomatas e notáveis, talvez para que a cerimônia terminasse rapidamente, antes que as tropas imperiais iniciassem seu desfile triunfal. Aparentemente, Urquiza arrependeu-se imediatamente de sua atitude.
Caxias e Marques de Souza tentaram levar de Buenos Aires os troféus de Ituzaingó guardados na catedral. Inicialmente, Urquiza teve que aceitar, e se os troféus não foram levados, foi simplesmente porque Dom Pedro considerou a ação exagerada:
“Tocar essas relíquias seria impopular, justificaria uma revolta de sentimentos e feriria uma legítima susceptibilidade nacional, o que ao governo imperial não convém”, teria dito a Andrés Lamas (Pedro S. Lamas, Etapas de uma grande política).
Alguns dias após Caseros (em 9 de fevereiro) e alguns dias antes do desfile, ocorreu um episódio significativo: Honório, representante do imperador do Brasil, dirigiu-se a Palermo para se encontrar com o vencedor de Caseros. No entanto, sentiu tal repulsa pelos cadáveres que pendiam por toda parte, apodrecendo entre a folhagem, que decidiu retornar no dia seguinte. Então ocorreu um áspero diálogo, quando o brasileiro lembrou as concessões territoriais que a Argentina deveria fazer em troca do apoio recebido.
É notória a deturpação dos fatos: “a traição de Urquiza para salvar o Império” passou a ser apresentada como “ajuda do Império à Confederação”. Realmente, Urquiza, além de traidor, foi um verdadeiro idiota.
Urquiza, furioso, respondeu que era o Brasil que lhe devia, pois “Rosas teria terminado com o Imperador e até com a unidade brasileira se não fosse por mim”… Também afirmou: “Se eu tivesse permanecido ao lado de Rosas, não haveria imperador até hoje”.
Honório retirou-se ofendido. Dias mais tarde, recebeu a visita de Diógenes Urquiza, filho de Justo José, que, em nome do pai, pediu 100.000 patacões e ainda “o compromisso de contar com essa subvenção daqui em diante”, conforme informou Honório ao seu governo. Acrescentou ainda: “Atendendo à conveniência de dar, nas circunstâncias atuais, uma prova de generosidade e desejo de cultivar a aliança, entendi que não poderia recusar-lhe o favor” — evidências da lentidão de alguns “heróis” da história oficial.
Urquiza foi “comprado” pelo Brasil para trair sua pátria em 1852 — fato confirmado pelo próprio Sarmiento, que escreve a Urquiza em 13.10.1852, desde o Chile:
“Permaneci dois meses na corte do Brasil, em comércio quase íntimo com os homens de estado daquela nação, e conheço todos os detalhes, general, e os pactos e transações pelos quais Vossa Excelência entrou na liga contra Rosas. Tudo isso, desconhecido do público na época, já é domínio da História e encontra-se arquivado nos Ministérios das Relações Exteriores do Brasil e do Uruguai.” (…) “Caía-me a face de vergonha ao ouvir aquele enviado (Honório Hermeto Carneiro Leão, o Indobregável) relatar a irritante cena e os comentários: ‘Sim, os milhões com que tivemos que comprá-lo para derrubar Rosas! Ainda após entrar em Buenos Aires queria que lhe déssemos os cem mil duros mensais, enquanto ofuscava o brilho de nossas armas em Monte Caseros para atribuir-se sozinho os louros da vitória’” (Domingo Faustino Sarmiento, Carta de Yungay, 13.10.1852).
A BATALHA DE CASEROS
O exército invasor, forte de 25.000 homens sob o comando de Urquiza, era composto por tropas brasileiras, uruguaias, entrerrianas e correntinas. Participava Mitre, como oficial oriental, ostentando a escarapela estrangeira, e Sarmiento, atuando como repórter do exército, vestido com uniforme francês. (Ver A polêmica Mitre-Alberdi
Mitre integra-se às tropas uruguaias do “Exército Grande”, recomendado pelos generais Juan Gregorio de Las Heras e Eugenio Garzón, e, aceito por Urquiza, assume o comando de uma bateria uruguaia sob o coronel Pirán.
A história oficial mitrista destaca o comportamento heroico de Mitre, atribuindo-lhe o mérito de inclinar a balança da batalha a favor do invasor, diminuindo, assim, o crédito do general em chefe, Urquiza.
Alfredo de Urquiza, pesquisando os fatos, chega a uma conclusão diferente:
“Vive em Entre Ríos um antigo coronel Espíndola, a quem, em outra ocasião, ouvi dizer que, em Caseros, encontrou o comandante Mitre com sua bateria atrás de um monte e, ao perguntar-lhe o que ali fazia, Mitre respondeu: Estou economizando sangue” (Alfredo F. de Urquiza, Campanhas de Urquiza. Retificações e ratificações históricas, Buenos Aires, 1924, p.301).
A história oficial omite que se tratava de uma invasão estrangeira, rejeitada pela maior parte da população rural:
“…na noite de 1º de fevereiro, cerca de 400 homens passaram dos aliados para o acampamento de Santos Lugares, sendo recebidos com aclamações de seus antigos companheiros. O mesmo espírito de decisão em favor de Rosas predominava nas populações de Buenos Aires, movidas por um atavismo encarnado em sentimentos enérgicos, forjados na adversidade e mantidos inalterados nos rudes vaivéns da luta. Os integrantes do exército acreditavam defender o honor nacional contra um estrangeiro invasor. Seria isso pura poesia? É a poesia do honor, que ecoa apenas na consciência individual. As populações rurais viam apenas o fato inaudito da invasão do Império do Brasil e cercavam Rosas, personificando nele a salvação da pátria.” (Adolfo Saldías, História da Confederação Argentina, t.III, p.345, Eudeba, Bs.As., 1978)
O chefe da divisão oriental do exército aliado, general Cesar Díaz, observa:
“Os habitantes de Luján manifestavam para conosco a mesma estudada indiferença que os de Pergamino; e nos sinais exteriores que com estes tinham expressado sua parcialidade por Rosas. Acrescentavam outras ações que denotavam claramente seus sentimentos. Exageravam o número e a qualidade das tropas de Rosas, recordavam todas as tempestades políticas que ele havia conjurado, e acreditavam que sairia vitorioso do novo perigo que o ameaçava” (Memórias citadas por A. Saldías, História da Confederação Argentina).
Embora tarde, o próprio Urquiza, antes da batalha, percebeu o erro que estava cometendo. O general Díaz relata as impressões de Urquiza ao visitar seu acampamento:
_“Fui visitar” – diz Díaz – “o general Urquiza e o encontrei na tenda do major-general. Tratou-se primeiro da triste decepção que acabávamos de experimentar quanto ao espírito que supúnhamos animar Buenos Aires. Até então não se apresentara um passado.”
“Se não fosse, disse o general, pelo interesse que tenho em promover a organização da República, eu teria permanecido aliado a Rosas, pois estou convencido de que seu nome é muito popular neste país.”
O general Díaz acrescenta:
“Se Rosas era publicamente odiado, como se dizia, ou, melhor, se já não era temido, como deixavam escapar uma tão bela oportunidade de satisfazer seus anseios? Como se mostrava tanto zelo na defesa de sua própria escravidão? Quanto a mim, tenho profunda convicção, formada pelos fatos que presenciei, de que o prestígio do poder de Rosas em 1852 era tão grande, ou talvez maior, do que havia sido dez anos antes, e que a submissão e até a confiança do povo em sua genialidade jamais o abandonaram.” (Adolfo Saldías, História da Confederação Argentina, t.III, p.345)
O general em chefe do exército federal, Pacheco, com ordens e contraordens contraditórias, permitiu que o exército invasor de Urquiza avançasse sem obstáculos até Morón, deixando sem apoio Hilario Lagos. Quando Urquiza atravessa o arroio Márquez quase sem ser incomodado, Rosas, irritado, diz a Reyes:
“Se não pode ser, se não pode ser que o general Pacheco desobedeça as ordens do governador da província”.
As atitudes contraditórias de Pacheco dificilmente podem ser atribuídas à inexperiência; suspeita-se de traição ou conluio com Urquiza. Inexplicavelmente, Rosas manteve Pacheco no posto até que este renunciou na véspera da batalha: “Está louco”, disse Rosas, “Pacheco está louco”.
Na noite de 31 de janeiro de 1852, os chefes federais reuniram-se para discutir a situação. Urquiza declarara que fazia a guerra exclusivamente a Rosas; alguns propuseram a retirada do governador e sugeriram que Urquiza desalojasse os brasileiros do território nacional e retrocedesse com seu exército. A maioria, porém, considerou que isso seria desonroso para as armas da pátria, parecendo uma capitulação diante dos imperiais.
Ciente do ocorrido na noite de 31 de janeiro, Rosas afirmou que não faria questão de sua pessoa ou cargo se os chefes decidissem dessa forma, embora apelasse, como cidadão, à opinião da província para expulsar os invasores. “Caso contrário, meu honor e meus deveres de governante me chamam a dirigir a batalha que o exército invasor me impõe.” A última decisão prevaleceu.
Toma então a palavra Chilavert. (Adolfo Saldías reconstrói suas palavras a partir de relatórios verbais do coronel Bustos, um dos chefes presentes). Começou dizendo que o bem da pátria poderia levar o homem mais bem-intencionado até onde o dever inflexível do honor o obrigaria a agir. Que o dever de defender a pátria, assim como o amor à sempre, sempre bendita mãe, não se discutia em sua inexorável indivisibilidade; pois, se fosse discutido, os sagrados vínculos do coração que formam a essência da vida e os eternos preceitos da moral ficariam à mercê dos mais perversos, para violá-los e ensinar a violá-los. Que tanto era assim que seus nobres companheiros haviam revisado uma resolução que julgaram digna, impulsionados pelo honor patriótico. Que, portanto, não havia discussão sobre se se devia combater. Que ele mesmo não saberia onde guardar a espada se tivesse de embainhá-la sem combater o inimigo à sua frente. Que, quanto a ele, acompanharia o governo de sua pátria até o último instante; pois cem vezes gloriosa seria para ele a morte ao pé de seus canhões combatendo, e cem vezes vergonhosa as concessões a um inimigo que se julgava vencedor, enquanto ainda ecoasse a grande voz da pátria, a voz do honor.
“A sorte das armas” – acrescentou Chilavert – “é variável como os voos da felicidade, que o vento de um instante leva para onde menos se pensa. Se vencermos, então farei eco aos meus companheiros de armas para pedir ao general Rosas que empreenda imediatamente a organização constitucional. Se formos vencidos, nada pedirei ao vencedor; sou suficientemente orgulhoso para acreditar que ele pode conceder-me maior glória do que eu mesmo posso dar-me, entregando meu último suspiro sob a bandeira à cuja honra me consagrei desde menino.”
As sentidas palavras de Chilavert provocaram entusiasmo entre seus companheiros pela defesa do honor de suas armas. Rosas, estendendo-lhe a mão, disse:
“Coronel Chilavert, o senhor é um patriota; esta batalha será decisiva para todos. Urquiza, eu ou qualquer outro que prevaleça, deverá trabalhar imediatamente na Constituição nacional sobre as bases existentes. Nosso verdadeiro inimigo é o Império do Brasil, porque é Império.”
Chilavert então analisou as posições dos exércitos e avaliou as ações a seguir:
“Urquiza, em vez de manter sua comunicação com a costa norte e com a esquadra brasileira, assim como com as forças brasileiras guarnecendo a Colônia, cometeu o erro de avançar pela fronteira oeste de Buenos Aires, isolando-se completamente de seus recursos e sem assegurar retirada em caso de desastre. Provavelmente, ao agir contrariamente à estratégia, confiou excessivamente que as populações e a opinião se pronunciariam a favor dos aliados à medida que avançassem, deixando poderosos auxiliares em sua retaguarda. Mas não houve um único pronunciamento a favor dos inimigos; pelo contrário, desde que passaram o Paraná até ontem, cerca de 1.500 homens se passaram para nosso campo, regimento a regimento, esquadrão a esquadrão. O inimigo está diante de nós, certo, mas completamente isolado, em posição hostil, perigosa para um exército invasor, e da qual devemos nos aproveitar. Quanto mais dias transcorrerem, mais fatídico será para o inimigo, cujas fileiras se enfraquecerão com as deserções.”
Chilavert acrescentou:
“Não devemos aceitar a batalha de amanhã como inevitável; pelo contrário, nossas infanterias e artilharias devem recuar ainda esta noite para cobrir a linha da cidade, ocupando posições convenientes. Simultaneamente, nossas cavalarias, em número de 10.000 homens, devem sair pela linha norte até a altura de Arrecifes e manobrar na retaguarda do inimigo, deslocando uma boa divisão para o sul, somando forças deste departamento e mantendo comunicação com as vias de reforços do interior. O inimigo não tentará tomar Buenos Aires de assalto, nem conta com os recursos necessários para fazê-lo com chance séria; e os brasileiros não consentiriam avançar a um sacrifício certo. Então, ou o inimigo avança e coloca cerco à cidade, ou recua para a costa norte, dominando suas linhas de comunicação e buscando reservas na costa oriental. No primeiro caso, os elementos que podem destruí-lo se fortalecem. No segundo caso, ficamos muito melhor posicionados para atacá-lo em movimento, combinando com nossas colunas de cavalaria. No pior cenário, quem perde é o inimigo, pois os dias que passam nos reforçam e enfraquecem a ele.”
O plano de Chilavert também protegia a cidade de um provável ataque dos 4.000 mercenários alemães a serviço do Brasil, estacionados em Colônia.
Alguns chefes concordavam com Chilavert, outros preferiam enfrentar a batalha imediatamente. Rosas comparava a situação à de 1840, quando Lavalle recuou fatalmente das portas de Buenos Aires. Ainda assim, Rosas decide dar a batalha, e naquela noite percorre o campo com os chefes para determinar posições:
“O general” – diz o maior Reyes – “mostrou-se muito satisfeito com as observações dos coronéis Díaz e Chilavert, acrescentando que, apesar de aprovar a exatidão de suas análises, era necessário combater no dia seguinte caso o inimigo atacasse como esperado.”
Dispostos os exércitos no campo de Caseros, Rosas percorre suas linhas entre aclamações e dirige-se a Chilavert:
“Coronel, seja o primeiro a abrir fogo contra os imperiais à sua frente.”
Era evidente que, para Rosas, a guerra era contra o Império… e ele estava certo.
O combate foi feroz durante todo o dia, com resultados desiguais. Finalmente, destruída a ala esquerda do exército federal e dispersa a direita, Rosas compreende a derrota e ordena o reagrupamento do centro do exército em direção à cidade. Durante a manobra, um disperso passa a galope diante de Rosas; ele pede ao trompa: “Dê-me as boleadeiras” e, medindo-as com os braços estendidos, acerta as patas dianteiras do cavalo do soldado que fugia: “ainda tenho bom pulso”.
O exército invasor tenta envolver o centro em retirada, enfrentando a muralha formada pelos coronéis Díaz e Chilavert. Este dispara suas últimas munições de artilharia contra as colunas brasileiras, chegando a recolher projéteis do campo. Sem munição, apoia-se em um dos canhões e fuma, aguardando a captura. Não se rende; apenas aceita o resultado da batalha.
Um fato singular: ao tomar o hospital, os aliados assassinam o médico Claudio Mamerto Cuenca, que não era federal e assistia os feridos.
Rosas, com sua guarda, retira-se do campo em direção a Matanzas. Ao dobrar um recodo, depara-se com outra força inimiga; após intenso tiroteio, repeliu os perseguidores e ordenou a dispersão de seus soldados. Com seu assistente, chega ao estanco de Montero, sudoeste da ponte Alsina, e daí até o Hueco de los Sauces (hoje Praça 29 de Novembro), onde desmonta e redige sua renúncia:
“Senhores representantes: Chegou o momento de devolver-vos a investidura de governador da província e a soma do poder com que me honrastes. Creio ter cumprido meu dever, assim como todos os senhores representantes, nossos concidadãos, os verdadeiros federais e meus companheiros de armas. Se mais não fizemos em defesa sagrada de nossa independência, integridade e honor, é porque não pudemos. Permiti-me, H.H.R.R., reiterar meu profundo agradecimento ao despedir-me, e rogo a Deus pela glória de V.H., de todos e cada um de vós. Ferido na mão direita e no campo, perdoai-me por escrever com lápis esta nota e com letra trabalhosa. Deus guarde a V.H.”
DEPOIS DE CASEROS
Imediatamente após Caseros, começam os massacres. Chilavert seria um dos imolados com crueldade e desvergonha.
Ao ser informado da rendição de Chilavert, Urquiza ordena que ele seja conduzido à sua presença. Diante de seu gesto, os colaboradores se retiram, deixando-os a sós.
Não há testemunhas, mas alguns conjecturam o que ocorreu: o vencedor de Caseros terá repreendido Chilavert por sua deserção do lado antirosista. Chilavert terá respondido que ali havia apenas um traidor: aquele que se aliara ao estrangeiro para atacar sua pátria.
Urquiza provavelmente considerou que não eram momentos ou circunstâncias para convencer aquele homem que o olhava com desprezo de que todos os recursos eram válidos para poupar à sua pátria a continuidade de uma sangrenta tirania. Mas Chilavert pode ter dito algo mais, talvez sobre a fortuna de don Justo, de que tanto se murmurava. O entrerriano abre então a porta com violência, transtornado, e ordena que o executem imediatamente.
Nos dias seguintes, Urquiza fuzilou todo o batalhão de Aquino, desde oficiais até o último soldado, e os pendurou nas árvores de Palermo. O representante inglês que visitou Urquiza em Palermo ficou impressionado com o espetáculo dos cadáveres pendurados por vários dias.
O general Cesar Díaz, chefe da ala esquerda do exército de Urquiza, relata em suas memórias:
“Um decreto do general em chefe havia condenado à morte o regimento do coronel Aquino, e todos os integrantes que caíram prisioneiros foram executados. Diariamente eram fuzilados dez, vinte ou mais homens juntos. Os corpos das vítimas ficavam sepultados ou, quando não, pendurados nas árvores da alameda que conduz a Palermo. As pessoas que vinham ao quartel-general eram obrigadas a fechar os olhos para não ver os cadáveres nus e ensanguentados que se apresentavam a cada passo; a impressão de horror transformava em tristeza as esperanças que a vitória das armas aliadas despertava. Uma manhã, alguém me visitava na cidade, quando começaram a ouvir-se muitas descargas sucessivas. A pessoa me perguntou: ‘Que fogo é esse?’ Respondi: ‘Deve ser exercício’. Mas outro, que ouviu minhas últimas palavras, disse: ‘Que exercício, que brincadeira! Estão fuzilando gente’” (Memórias inéditas do general Cesar Díaz. p.307, cit. por A. Saldías, t.III, p.357).
Essa brutalidade de Urquiza é relatada por um general de seu próprio exército, conferindo credibilidade ao testemunho.
Não houve apenas fuzilamentos; também ocorreram “transferências” de prisioneiros: após Caseros, Urquiza transferiu para Entre Ríos um contingente de 700 negros livres “para ensinar-lhes o que era a liberdade obtida em 3 de fevereiro”. Terá ele vendido esses homens ao Brasil? Assim como fez com todo o exército de vanguarda antes de Caseros, ou com a cavalaria de seu próprio exército entrerriano antes da guerra do Paraguai, 30.000 cavalos entregues a bom preço (390.000 patacões) (JMR, La guerra del Paraguay, p.240 – A. Zinny, História dos governadores, t.II, p.195).
Pouco duraria a alegria de Urquiza com a vitória traidora. Imediatamente começaram as pressões inglesas, as exigências brasileiras e as conspirações unitárias.
Urquiza havia marcado a entrada triunfal para o dia 8, depois adiou para o 19 e, finalmente, a realizou em 20 de fevereiro, de poncho e cartola, com faixa punzó, montado “em um magnífico cavalo com recado” (Sarmiento), com a marca de Rosas, e de mau humor. Chegou a mentir sobre o horário do desfile (13h em vez de 12h) para que as tropas brasileiras não participassem, mas elas desfilaram pelas ruas de Buenos Aires com a bandeira verde-amarela. Ouviam-se assobios à sua passagem.
Urquiza desfilou quase a galope, como querendo terminar logo. Na esquina da Corrientes, a mãe do coronel Paz (imolado em Vences) lhe grita: “Assassino!”. Segundo Sarmiento: “Por gravidade ou recuo, o general mantinha uma rigidez imperturbável, sem olhar para um lado ou outro. Permaneceu sério e empacado” e recusou-se a ir ao estrado da catedral, onde autoridades e diplomatas o aguardavam.
Durante a batalha de Caseros, o exército da Confederação concentrou seu fogo nas tropas brasileiras (seu verdadeiro inimigo), e embora a participação delas não tenha sido decisiva, Caxias enviou em 12 de fevereiro de 1852 o relatório de batalha a seu ministro de Guerra, Souza e Mello:
“Cumpre-me informar a V.E., para que faça chegar a S.M. o imperador, que a referida 1ª Divisão, como parte do Exército Aliado que marchou sobre Buenos Aires, fez prodígios de valor recuperando o honor das armas brasileiras perdido em 20 de fevereiro de 1827.”
Em uma recepção em Palermo, diante das exigências do representante brasileiro Honorio, Urquiza o confrontou publicamente: “Rosas teria acabado com o imperador e até com a unidade brasileira se não fosse por mim”. Honorio respondeu que “se houvesse perigos para o governo imperial em insurreições internas, estas não ocorreriam havendo uma guerra externa”. Para evitar maiores conflitos, o brasileiro reconheceu: “em grande parte, as vantagens obtidas pelo Brasil nesta guerra são devidas a V.E.”, e Urquiza se declarou “o melhor aliado e amigo dos brasileiros”.
No dia seguinte, o filho de Urquiza foi cobrar os 100.000 patacões (1.700.000 pesos) prometidos pelo Brasil (Informe confidencial de Honorio, 4-4-1852, Arquivo Itamaraty), e em 1º de março, diante das tropas brasileiras que se embarcavam, desembainhando a espada, prometeu “que jamais a desembainharia contra o imperador” e presenteou o cavalo usado em Caseros como “presente íntimo a S.M., do general que mais contribuiu para a vitória”.
No fim, o diplomata Paulino tinha razão ao informar em 11 de março de 1851 a Silva Pontes que, caído Rosas, “Garzón e Urquiza não teriam remédio senão apoiando-se no Brasil e sendo leais a ele. As questões internas que surgiriam com essas novidades os ocupariam bastante para que não se intrometessem conosco. Será mais fácil, então, se seguirmos uma política previsora e rigorosa, dar solução definitiva e vantajosa a nossas questões, garantindo nosso futuro.”
Em 21 de fevereiro de 1852, Urquiza restabeleceu o uso da faixa punzó e chamou os unitários de “rebeldes que se colocaram em choque com o poder da opinião pública e sucumbiram sem honra na demanda. Hoje levantam a cabeça e, após tantos desenganos, de tanta sangue, empenham-se em fazer-se merecedores da fama odiosa de selvagens unitários e, com inaudita impavidez, reclamam a herança de uma revolução que não lhes pertence, de uma pátria cujo sossego perturbaram, cuja independência comprometeram e cuja liberdade sacrificaram com sua ambição.” Sarmiento, ao ler o decreto, como bom resmungão, embarcou para o Rio de Janeiro, despedindo-se com sua habitual verborragia: “desabafo ignóbil, como se em uma tertúlia de damas se introduzisse um bêbado proferindo blasfêmias e asquerosidades”. Alsina, ofendido, apresentou renúncia, mas mais flexível, transformou-se em federal e, segundo Julio Victorica, “pediu uma faixa punzó e a colocou imediatamente”.
Urquiza rapidamente enfrentaria as exigências do Brasil para cumprir os tratados de aliança (entrega da Banda Oriental, das Missões Orientais, reconhecimento da independência do Paraguai e devolução das “despesas de guerra”). Também teria sobre si a pressão inglesa para revogar os tratados de Rosas e os unitários conspirando, acreditando-se donos da revolução.
Os ingleses, sempre presentes, embora não diretamente, também cobravam sua parte. O almirante Charles Hotham escreveu a Malmesbury (substituto de Palmerston) opinando que era o momento de derrubar o tratado Southern e conseguir dos vencedores que “abrissem o sistema Plata-Paraná à livre navegação das nações marítimas” (F.O 59/2, 20 de fevereiro de 1852).
Em abril, Hotham recebeu instruções: a Inglaterra não tinha “propósitos egoístas exclusivos… apenas desejava obter vantagens para todas as nações comerciais, beneficiando também os argentinos”. Os “bonoleros” também queriam aproveitar a oportunidade e pediram ao governo que cobrasse o empréstimo Baring, recebendo como resposta que “o governo de S.M. não considera admissível instruir o capitão Gore a pressionar os credores até que os ministros especiais inglês e francês negociem a abertura dos grandes rios” (5-4-1852).
Muito cedo ficou evidente (e ele próprio percebeu) que don Justo não calçava as botas de Juan Manuel. Urquiza era um militar habilidoso e comerciante inescrupuloso, que acumulou fortuna, mas o poncho do Restaurador lhe ficaria grande demais. Entre Ríos lhe ficava pequeno, mas a Confederação lhe seria grande demais, sobretudo no “manejo das relações exteriores”.
“Há apenas um homem para governar a Nação Argentina, e é Don Juan Manuel de Rosas. Estou preparado para suplicá-lo que retorne” (Urquiza ao representante inglês Gore, ao partir para o encontro de San Nicolás, maio de 1852).
A outra revanche
Os vencedores de Caseros também buscariam uma revanche posterior, tentando até mesmo ocultar a história da Confederação:
Chamaram Palermo, propriedade de Rosas, de “Parque 3 de fevereiro”.
Mudaram o nome da rua da Alameda para Avenida Sarmiento, onde se ergue um monumento ao traidor Urquiza.
Demoliram a residência de Rosas e implantaram em seu lugar um busto do boletinista do exército, Sarmiento.
E a rua onde Rosas nasceu, Santa Lúcia, passou a se chamar “Sarmiento”.
Perdemos até o honor
Urquiza, por sua glória e por alguns patacões, entregava tudo: território, sua espada, o honor e até os estandartes. Os portenhos não ficariam atrás.
Em 1851, Urquiza passa para o inimigo por alguns patacões e, em troca, entrega ao Império a Banda Oriental, as Missões, a independência paraguaia, a livre navegação dos rios e até a alma. Já não poderia escapar da dominação brasileira. Deixaria que festejassem a “revanche de Ituzaingó”, desfilando pelas ruas de Buenos Aires e até que retirassem os troféus daquela batalha (que não se realizou por sugestão do imperador, por considerá-la “demasiada”); exigiriam que pressionasse os orientais a ceder parte de seu território; envolveriam-no em alianças e pressões contra Solano López, do Paraguai, único país ainda “independente” que o Império cobiçava. Por outro lado, Urquiza buscava a amizade de López, mas não podia demonstrá-la porque precisava dos patacões e da frota brasileira (os soldados ele colocaria) para vencer Buenos Aires (ver A deserção de Urquiza).
Os portenhos, por sua vez, separados, buscavam também o apoio inglês e brasileiro para subjugar as províncias, unidas na Confederação. Enquanto isso, desfrutavam da copiosa renda da alfândega e da “maquininha de imprimir moeda”, que lhes permitia comprar armas, homens e até a própria marinha inimiga (a da Confederação), corrompendo o chefe da frota, que a entregaria completa, com todo o armamento.
Os brasileiros aproveitavam a situação. Ocupavam militarmente a Banda Oriental e fomentavam a divisão de partidos e conspirações, apoiando uns e outros alternadamente, para que se desangrassem até ficarem extenuados e “comê-los” mais facilmente. Não ficaram com a ilha Martín García porque aos diplomatas de Itamaraty parecia arriscado (e Inglaterra e França não permitiriam). Obtiveram a livre navegação dos rios e subiam tranquilamente o Paraná, sem que ninguém lhes dissesse nada, para ir “apertar” López, que, claro, não se intimidou e os deteve. Os brasileiros, que não poderiam subjugar López sem contar com território e a ajuda de Urquiza, negociavam com ele “alianças” em “reuniões misteriosas e secretas” no Palácio San José, prometendo patacões e a frota brasileira contra Buenos Aires. Cansado de esperas e promessas, Urquiza mandou um emissário a Rio de Janeiro (Peña) para finalmente obter os patacões e a aliança. O ingênuo representante de Urquiza, após meses de voltas nas redes diplomáticas de Itamaraty, voltou de mãos vazias, e Urquiza, que teve de engolir o sapo novamente, comentou: “O general Urquiza usou palavras muito grosseiras e duras a respeito do Brasil, que esses macacos são todos covardes e traidores” (informa Yancey a Cass, 17-3-1859 / JMR t. VI, p.248).
Enquanto isso, os ingleses, permanentemente bem informados por diplomatas, espiões, comerciantes, viajantes e mercadores em todos os cantos, observavam o panorama e colhiam frutos sem semear. Toleravam a divisão entre Buenos Aires e a Confederação, sem permitir a separação definitiva, pois isso significaria o enfraquecimento das duas partes, tornando-as presas fáceis do Brasil, o que os ingleses não desejavam, para que nenhuma nação dominasse ambas as margens do Prata. Enquanto isso, continuavam negociando e colhendo em ambos os lados, aguardando alguma “mediação” ou circunstância que lhes permitisse tirar maior proveito. França e Estados Unidos seguiam o ritmo da batuta de Londres.
Parecia um verdadeiro churrasco. O Brasil fazia o churrasqueiro, colocava a lenha e vigiava o fogo. As províncias colocavam a carne e a grelha. Os portenhos compravam o vinho e os temperos. A Inglaterra, como “patrão”, controlava de longe e dava as instruções. Os franceses esperavam para ver o que lhes tocaria. O único que não participava era Solano López, que fazia rancho à parte e comia “sozinho, como um louco”. (Já chegaria sua vez, e também seria pressionado.)
Assim havia ficado a Confederação poucos anos depois de tê-la “libertado da tirania”: estava dividida, havia perdido território e a soberania dos rios. O que restava era o honor dos 21 tiros de canhão que Rosas mandou disparar aos ingleses (sem recuar “um passo de frango”, segundo seu próprio dizer), desagravando o pavilhão nacional após o levantamento do bloqueio anglo-francês. (Os franceses se deram ao luxo de ir embora sem cumprimentar, pois os salvou “o sino” de Caseros). Mas também chegaria a hora de falar sobre os 21 tiros de canhão.
A Confederação e Buenos Aires continuavam separados, e como bêbados de botequim, se olhavam com inimizade e “com vontade”, mas nenhum ousava atacar. Um mediador seria bem-vindo. E falando em mediador… quem daria o presente? Os ingleses.
O que mais poderiam tirar da Confederação? Os rios já eram livremente navegáveis por embarcações comerciais e de guerra, a alfândega era librecambista, e Alberdi (advogado representante no Chile da empresa Wheelwright de Gás e Carvão de capitais ingleses) oferecia-lhes os monopólios de transporte fluvial e ferroviário. Também viajava à Europa em busca de apoio contra Buenos Aires. O Comitê dos Credores (os bonoleros, como Rosas os chamava) mandou um representante do Baring para pressionar o pagamento da dívida.
Os ingleses viram o momento oportuno de dar “o turno aos bonoleros” e cobrar algumas “dívidas”. Sabiam que Urquiza não sobreviveria sem a alfândega, e Buenos Aires não poderia enfrentar a Confederação com o apoio do Brasil, que, por sua vez, precisava do apoio de Urquiza para “engolir” o Paraguai. (Acabavam de negociar uma aliança; como sempre, o Brasil dava os navios e patacões, e Urquiza o sangue). Christie, representante inglês, reuniu-se com Urquiza (que se apresentou servil) e viajou com a proposta de Urquiza a Buenos Aires. Como fez em um navio inglês sem pedir permissão, provocou a renúncia de Alsina e sua substituição por Vélez Sarfield, que aparentemente não se importava tanto com a soberania. (Vélez Sarfield era Ministro da Fazenda e ex-funcionário da firma de Liverpool, Nicholson, Green e Cia.) Os ingleses, ofendidos pela protesto de Alsina, enviaram uma nota a Londres (a Parish): “O governo de S.M. estaria perfeitamente justificado se tomasse medidas de força em apoio aos seus súditos.”
Na verdade, a nota não foi enviada, mas mostrada a de la Riestra, Vélez Sarfield e Mitre como uma “pressão”. Antes de apresentar qualquer proposta de mediação, Christie queria resolver assuntos pendentes, como o pagamento da dívida aos bonoleros e a expulsão de Gore em 1853. Os portenhos, como Urquiza recentemente, se submeteram a qualquer exigência do inglês para tê-lo de seu lado. Então o inglês fez sua exigência: o mesmo desagravo imposto por Rosas a Southern em 1848, “sem contestação”.
E o governo simplesmente cedeu. A bandeira inglesa foi içada no forte e saudada “sem contestação” com 21 tiros de canhão. E não apenas isso: o governo enviou uma nota “lamentando francamente” a expulsão de Gore, pedindo que devolvessem a nota de expulsão para que nem mesmo ficasse arquivada.
A Confederação Argentina, nas mãos desses traidores, entregava assim até o honor. Que diferença com a Confederação de Rosas, forte e orgulhosa! (Haviam se passado apenas cinco anos).
Bibliografía:
- Saldías, Adolfo. Historia de la Confederación Argentina. Eudeba.
Bs.As. 1978
- Castagnino Leonardo. Juan Manuel de
Rosas, Sombras y Verdades
- Castagnino Leonardo. Juan Manuel
de Rosas, Sombras y Verdades
- Castagnino Leonardo. Guerra del
Paraguay. La Triple Alianza.
- Rosa, José Maria. Historia Argentina. Editorial Oriente.
Bs.As.
- Rosa, José Maria. Rosas y el Imperialismo - La caída. Offsetgrama.
Bs.As. 1974.
- Federico de la Barra. La vida de un traidor. Emp. Reimpresora y Adm.
de Obras Americanas. Bs.As.1915
- Obras citadas.