A INVASÃO DA BANDA ORIENTAL (1863)

Leonardo Castagnino

Postado pela Ação Restauracionista em 2025-09-09 12:06:00

Postagem original: https://www.lagazeta.com.ar/invasion_de_venancio_flores.htm

Castagnino/LA INVASIÓN DE LA BANDA ORIENTAL (1863)/1.jpg

Venancio Flores

Enquanto se desenvolvia uma agressiva campanha jornalística, com declaração de guerra incluída, Venancio Flores invade a Banda Oriental em 1863.

Flores era um general uruguaio a serviço de Mitre, primeiro como governador de Buenos Aires e depois como presidente. Junto a outros uruguaios incorporados ao exército argentino, havia participado das guerras de Buenos Aires contra o interior, incluindo as batalhas de Pavón (17 de setembro de 1861) e de Cañada de Gómez.

Em 22 de novembro de 1861, Flores avançou até Cañada de Gómez e surpreendeu os federais dormindo desprevenidos, derrotando-os e passando a degolar grande parte deles, incorporando o restante. Esse ato lhe rendeu o apelido de “o degolador de Cañada de Gómez”. O episódio foi tão escandaloso que o ministro da guerra Gelly y Obes (ministro de Mitre) relatou ao governador Manuel Ocampo:

“O acontecimento em Cañada de Gómez é um dos fatos de armas que aterrorizam o vencedor… É isso que ocorre com o general Flores, e por isso ele não quer detalhar o ocorrido. Há mais de 300 mortos, enquanto de nossa parte apenas dois… Esse episódio é a segunda edição de Villamayor, corrigida e aumentada… Para disfarçar melhor a operação confiada ao general Flores, incorporou-se toda a força de cavalaria inimiga da Divisão Córdoba” (Arquivo Mitre, IX, 277).

Os “incorporados” por Flores desertaram na primeira oportunidade, de modo que não houve mais incorporações: apenas degola. Mitre permaneceu em silêncio enquanto os uruguaios “limpavam” o interior de federais, impondo “uma só cor”… “o reino da liberdade” (textual, jornal La Nación). Nas tropas mitristas não atuavam apenas “colorados” uruguaios; também participavam mercenários estrangeiros, conforme carta de José María Roxas y Patrón a Rosas, em 6 de janeiro de 1862:

“Uma grande parte da emigração europeia que nos chega propaga esses instintos ferozes. Na matança de Gómez, segundo relatos dos que escaparam, os italianos despertaram na outra vida muitos que, cansados do trabalho do dia anterior, dormiam profundamente”. Era a chamada “ação civilizadora”.

Enquanto Flores pertencia ao partido “colorado” uruguaio, aliado à política mitrista, na Banda Oriental governava o partido “blanco” de Berro. Chegara o momento de retribuir favores: Flores pediu baixa do exército argentino e começou imediatamente a preparar a invasão do Uruguai, contando com total apoio de Mitre. A pergunta que se impõe é: quem realmente usava quem?

De Buenos Aires partiram vapores carregados com armas e “voluntários” argentinos rumo à costa oriental. Os uruguaios surpreenderam in fraganti os vapores argentinos Pampero, Villa del Salto e Guazú, no transporte de armas e tropas.

O governo uruguaio protestou, mas Mitre e Elizalde não apenas negaram a acusação e declararam “neutralidade”, como chegaram a exigir reparações pelo suposto ultraje ao pavilhão nacional. E, diante das reclamações do Paraguai, de López, pela invasão de Flores e pela fortificação de Martín García, que prejudicava a livre navegação, Mitre, em carta de 20 de fevereiro de 1864 a López, continuou negando o óbvio:

“Se a política do governo argentino –escrevia Mitre– foi, é e será de neutralidade no assunto da Banda Oriental…” (Riquelme Manuel, Compêndio da Guerra da Tríplice Aliança, p.111), praticamente declarando com certa altivez que, em Martín García, a Argentina podia agir à vontade.

Pedido de auxílio oriental

Em 1º de março de 1864, substituindo Berro, assume o governo da Banda Oriental Anastasio Cruz Aguirre, sem que a situação política internacional se alterasse. Como até então o Paraguai permanecia sem tomar uma decisão efetiva, e diante da delicada e desesperadora situação do Uruguai, Aguirre envia ao Paraguai o Dr. Vázquez Sagastume para dar continuidade às gestões de Lapido junto ao governo paraguaio. Em 1º de março, Herrera lhe dá instruções para a missão:

“V.E. –diz-lhe– parte em momento grave, em que se prescrevem perigos para a paz do continente. Deve convidar com urgência o governo de López a refletir sobre isso e a entrar em combinações. Há um ano se debate no território uma questão entre a autoridade nacional e Flores, a qual, bem estudada, devemos considerar não como simples questão de distúrbios internos ou guerra civil, mas como uma questão argentino-oriental, em que o Brasil também é parte” e indica que deve solicitar “O envio às águas do Uruguai e do Prata de alguns navios de guerra…” e de “uma força de cerca de mil a dois mil homens de infantaria e artilharia, que deverá desembarcar na margem oriental do Uruguai e será utilizada para guarnecer os povoados dessa margem, visto que o governo uruguaio terá de deslocar as guarnições locais para formar um exército de observação da fronteira com o Brasil, cuja missão será opor-se, sob qualquer hipótese, ao exército que o Brasil está organizando em seu território e na mesma fronteira” (Riquelme Manuel, Compêndio da Guerra da Tríplice Aliança, p.115).

O pedido de auxílio uruguaio ao Paraguai era desesperado, e para agravar a situação, Rosas já não se encontrava presente para conter o Brasil, cujo afastamento se devia, em parte, às próprias ações dos orientais e argentinos.

Castagnino/LA INVASIÓN DE LA BANDA ORIENTAL (1863)/2.jpg

A oportunidade brasileira

Era, então, a oportunidade do Brasil, e em 6 de maio de 1864 chega a Montevidéu o astuto diplomata do Império, José Antonio Saraiva, com enérgicas reclamações por “danos e prejuízos” cometidos na Banda Oriental contra súditos do império: tratava-se da chamada “política do marinheiro ferido”.

Anastasio Aguirre, por meio de seu Ministro das Relações Exteriores, Juan José de Herrera, rejeitou com firmeza a nota de Saraiva, enumerando inclusive uma lista ainda mais extensa dos crimes cometidos em território brasileiro.

O Brasil aplicava a mesma tática: atacava o governo uruguaio através de suas fronteiras. O gado de fazendeiros brasileiros, acompanhado de bandas militarizadas, cruzava a fronteira, arreando milhares de cabeças. O governo uruguaio se queixava inutilmente; o Brasil, abusando de seu poder, não apenas ignorava as reclamações, como acusava o Uruguai de perturbar a paz na fronteira. Por meio de seu agente em Montevidéu, adotava a mesma estratégia de Mitre: declarava-se neutro, negava os fatos, exigia reparações e ganhava tempo para que Flores se consolidasse. A postura do Império seguia a continuidade de sua política histórica de ocupar a “Província Cisplatina” ou, ao menos, mantê-la independente como estado-tampão sob sua influência.

A chancelaria uruguaia protestou junto ao governo brasileiro: “A invasão brasileira irrompe por Santa Ana, que, como Vossa Senhoria sabe, está dentro da circunscrição militar do mesmo brigadier Canavarro (…) O território uruguaio foi novamente invadido por forças brasileiras. O capitão das guardas nacionais, don José Vargas, em atividade de serviço, foi capturado em sua própria casa, seu estabelecimento saqueado e conduzido prisioneiro a Santa Ana do Libramento” (de Paolis, Pedro. Proceso a los montoneros y la Guerra del Paraguay. Eudeba, 1973, p.28).

O Brasil negou os fatos, mas a cumplicidade do governo brasileiro era evidente; a proclamação do fazendeiro riograndense major Fidelis Paes da Silva atesta isso:

“Brasileiros: é tempo de tomar as armas e despertar do letargo em que jazestes durante uma série de anos, interrompidos por fatos horríveis cometidos por uma horda de assassinos e perturbadores da ordem, no Estado limítrofe, causando manifesto prejuízo aos proprietários e interesses de vossos compatriotas e irmãos. Pela santa causa da razão e da justiça, o brasileiro que vos dirige convoca-vos a reunir-nos para tão alta missão e irromper com bravo entusiasmo. Viva a religião católica! Viva a Constituição Política do Estado! Vivam nossas leis e instituições! Viva o bravo general libertador! Em marcha, 8 de julho de 1863” (Ibidem).

Percebe-se que os argumentos são os mesmos dos “civilizadores” argentinos, aplicando a mesma política de defesa de interesses e proteção de súditos em território estrangeiro.

As ambições

Castagnino/LA INVASIÓN DE LA BANDA ORIENTAL (1863)/3.jpg

O Uruguai insiste junto a López por ajuda paraguaia, enviando um agente confidencial a Assunção, o Dr. Antonio de las Carreras, para atuar com Sagastume junto ao governo paraguaio. Antes de partir, em 15 de julho, de las Carreras recebe instruções de Herrera e, já em Assunção, por sugestão de López, entrega um extenso memorando expondo a situação no Prata e instando López à participação imediata:

“Já não é segredo para os homens observadores que o governo do Brasil e da Argentina tem interesse em dar à questão oriental uma solução favorável ao General Flores. A ruptura de relações promovida pela Argentina, suas medidas coercitivas, os esforços para conferir a Flores o status de beligerante, e o plano revelado ao Presidente Aguirre de uma intervenção diplomática para garantir a vitória do próprio Flores são fatos que denunciam a participação do governo argentino na rebelião”.

Não se trata de simpatia o que motiva Brasil e Argentina ao favorecer Flores, nem da intenção de recompensar serviços passados. O que Mitre deseja é expandir os limites da Argentina até a Bolívia e o Brasil: a base estratégica desse plano é a anexação do Estado Oriental ou, ao menos, a existência de um governo local que colabore nesse sentido. Mitre pretende anular a influência de Urquiza em Entre Ríos e Corrientes, mas o Estado Oriental se apresenta como obstáculo. A Argentina ambiciona também absorver o Paraguai.

O perigo que ameaça o Uruguai, consequentemente, ameaça o Paraguai, e cresce ainda mais à medida que o Brasil, valendo-se da oportunidade e alegando reivindicações infundadas ou exorbitantes, procura obrigar o governo oriental a ceder o território da rebelião, o que permitiria avançar suas fronteiras até as margens do rio Negro. O Império deseja repetir a ação já realizada em 1851.

“Agora lhe bastaria levar sua linha até a margem do rio Negro,” continua o memorando de Carreras, “pelo lado oeste e pelo leste até o rio Olimar, traçando uma linha para regularizar a faixa que lhe coubesse. A República Argentina ou seu governo atual concentrar-se-ia com a anexação do restante do território oriental ou estabelecendo influência direta sobre o governo que lá se formasse” (Riquelme Manuel, Compêndio da Guerra da Tríplice Aliança, p.124).

A decisão Paraguaia

Castagnino/LA INVASIÓN DE LA BANDA ORIENTAL (1863)/4.jpg

Diante do ultimato de Saraiva, Sagastume apresenta a López uma cópia do documento. Então, López toma a decisão solicitada há tempos pelos governos orientais, e em 30 de agosto de 1864 Berges envia uma nota de veemente protesto ao representante brasileiro em Montevidéu, César Sauve Viana de Lima. Nele, Berges informa que recebeu o documento de Sagastume e que o Paraguai contava com a moderação do governo brasileiro, esperando uma solução amistosa na disputa com o governo oriental, especialmente depois de ter sido rejeitada sua mediação.

“O governo do Paraguai –diz Berges– _lamenta profundamente que Vossa Excelência tenha considerado oportuno afastar-se, nesta ocasião, da política de moderação em que deveria confiar, agora mais do que nunca, após sua adesão às estipulações do Congresso de Paris. Não pode, entretanto, permanecer indiferente, nem consentir que, em execução da alternativa do ultimato imperial, as forças brasileiras, sejam navais ou terrestres, ocupem parte do território da República Oriental do Uruguai, nem temporária, nem permanentemente.

S.E., o Senhor Presidente da República, ordenou ao abaixo assinado declarar a Vossa Excelência, como representante de S.M. o Imperador do Brasil, que o governo da República do Paraguai considerará qualquer ocupação do território oriental por forças imperiais, pelos motivos consignados no ultimato de 4 do corrente, intimando o governo oriental, por intermédio do ministro plenipotenciário do Imperador em missão especial junto àquele governo, como atentatória ao equilíbrio dos Estados do Prata, que interessa ao Paraguai como garantia de sua segurança, paz e prosperidade, e protesta da maneira mais solene contra tal ato, eximindo-se desde já de qualquer responsabilidade pelas consequências da presente declaração”_.

Na resposta de Viana de Lima, ele afirma, entre outras coisas: “Em verdade, nenhuma consideração o fará desistir do desempenho da sagrada missão que lhe incumbe de proteger a vida, honra e propriedade dos súditos de S.M. o Imperador”.

A memória de López

A frase de Viana de Lima certamente evocava em López o que, vinte anos antes, Juan Manuel de Rosas lhe previra em relação ao pedido de independência do Paraguai, talvez até lembrando suas palavras exatas:

“É preciso que o Paraguai medite muito sobre o assunto, pois isso lhe traria muitos prejuízos”… “O Brasil se apressaria em reconhecer a independência da República”… “O Brasil seria capaz de prejudicar o Paraguai, fomentando até a correria dos índios armados”… “Reconhecida a independência do Paraguai, o país se encheria de ministros e cônsules estrangeiros, que tentariam envolvê-lo em intrigas, como ocorria com Buenos Aires, e até conquistá-lo, se pudessem”… “Que, pelo contrário, incorporando-se à Confederação, formaria uma grande nação que imporia respeito aos estrangeiros” (Ver o vaticínio de Rosas, independência do Paraguai em “Malas Langostas”).

Leonardo Castagnino

Copyright © La Gazeta Federal

Fontes: