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Unitários e Federais
Ricardo López Jordán nasceu em 4 de julho de 1824, em Concepción del Uruguay. Era filho do coronel López Jordán — meio-irmão de Francisco Ramírez — comandante do Segundo Departamento e organizador da cavalaria entrerriana que, no 2º Regimento, combateu gloriosamente na guerra contra o Brasil, ao lado das tropas comandadas por Manuel Oribe, Juan Antonio Lavalleja e Anacleto Medina.
Sobrinho do “Supremo Entrerriano” Francisco “Pancho” Ramírez, recebeu a instrução elementar em sua cidade natal e, ainda muito jovem, partiu para Buenos Aires a fim de prosseguir os estudos. Durante o primeiro bloqueio francês, concluiu as humanidades no renomado Colégio de San Ignacio, dirigido pelos padres jesuítas. Entre seus colegas figuravam Guillermo Rawson, Mariano Martínez, Melitón González del Solar, Eduardo Costa, Diógenes de Urquiza, Nicanor Molinas, Lisandro de Latorre e Luciano Torrent.
Em 1841, aos 19 anos, incorporou-se ao exército federal como simples soldado na escolta de Urquiza.
Por sua conduta serena na Ilha do Tonelero, em janeiro e fevereiro de 1842, foi escolhido para integrar o regimento de escolta organizado pelo coronel Lucas Moreno, participando desde então das campanhas contra Rivera, em especial contra o chamado “Exército Constitucional”.
Em 6 de dezembro de 1842, o general Oribe, bem montado e decidido a lutar, atacou Rivera em Arroyo Grande e o derrotou completamente, em uma batalha que o chefe unitário qualificou de “contraste inesperado”. Nesse combate, o tenente Leandro Gómez — que vinte anos depois se imortalizaria na epopeia de Paysandú — atuou como ajudante de Oribe. Coube a Ricardo López Jordán, então porta-estandarte, levar a Juan Manuel de Rosas o relatório oficial da vitória.
Ao recebê-lo, O Restaurador ofereceu-se para atender qualquer pedido do jovem soldado. López Jordán aproveitou a ocasião para solicitar a libertação de seu pai, preso desde novembro de 1839, quando fora capturado no Paso de las Piedras após juntar-se ao exército unitário de Lavalle. Rosas concedeu a liberdade, em meio a uma conjuntura crítica, em que defendia o país contra a aliança anglo-francesa. Mais tarde, Díaz Colodrero afirmaria que Rosas estava ensinando aos argentinos “a não ter medo de ninguém”. À luz dos documentos da época e da confissão de Thiers no parlamento francês sobre a ajuda financeira à “Comisión Argentina” de emigrados em Montevidéu, caem por terra muitos dos heróis consagrados pela história oficial, e sobressai a consciência federal de defesa da Pátria diante da agressão estrangeira.
A vitória entrerriano-oriental de Arroyo Grande sepultou de vez — como observa Saldías — “o sonho de Rivera, de Herrera y Obes, de Pacheco y Obes, de separar Entre Ríos e Corrientes da Confederação Argentina para formar um ‘Estado independente’, já pronto para ser reconhecido por França, Grã-Bretanha, Áustria, Brasil e a República Oriental”. (Carta de Adolfo Saldías a Nicolás Granada, 15 de janeiro de 1912. Cf. Boletín del Instituto de Investigaciones Históricas Juan Manuel de Rosas, nº 14, maio de 1952, Buenos Aires).
Em sua retirada a Montevidéu, após a derrota, Rivera ordenou o incêndio de Paysandú, como se aquele povo litorâneo devesse ingressar na história pelo martírio e pela epopeia.
López Jordán reincorporou-se ao exército federal em julho de 1843, após breve retorno a Buenos Aires, voltando ao comando de Lucas Moreno, que se encontrava nas imediações de Salto com 800 cavaleiros, prevenindo uma invasão riverista vinda do Brasil.
O espírito unitário não dava tréguas: em 21 de dezembro, o general Madariaga invadiu Entre Ríos, avançando sobre Concordia. Em janeiro de 1844, os moradores daquela localidade a abandonaram, refugiando-se em Concepción del Uruguay, Gualeguaychú e Paysandú, a fim de escapar dos saques e violências.
O exército de reserva entrerriano estava sob as ordens do general uruguaio Eugenio Garzón. No final de 1844, o soldado López Jordán juntou-se a essas forças, foi promovido a tenente de cavalaria e organizou um esquadrão de carabineiros, batizado “Arroyo Grande” em memória do triunfo homônimo. Entretanto, o Império e seus diplomatas permaneciam vigilantes. Em 14 de dezembro de 1844, o Brasil reconheceu a independência do Paraguai, revelando sua ambição política no Prata e dando início aberto à ação diplomática contra a Confederação Argentina de Rosas.
Urquiza reconhecia estar “convencido da admirável finura, da alta capacidade e do heroísmo com que o Exmo. Sr. Governador encarregado das Relações Exteriores sempre desempenhou sua gloriosa missão”. (Carta de Urquiza a Felipe Arana, 25 de junho de 1845. In: Ignacio J. Camps, El general don Justo José de Urquiza, Buenos Aires, 1950). Menos de dois meses depois, a esquadra anglo-francesa obrigaria cinco navios argentinos a arriar o pavilhão nacional.
Os dias corriam sem descanso. Povo e governo mantinham-se unidos em firme resistência contra os agressores da América, como testemunha outra carta de Urquiza, dirigida ao governador Crespo em 18 de setembro daquele ano: “É indescritível a indignação popular dos habitantes desta República diante dos aleivosos e ferozes ataques da intervenção anglo-francesa; suas reações foram enérgicas, firmes e inflamadas do mais ardoroso entusiasmo em sustentar incólume a soberania e independência das duas Repúblicas. Com tal pronunciamento de puro americanismo, nossos inimigos de ofício tremerão e se convencerão de que preferimos a morte à escravidão”.
A diplomacia unitarista também não permanecia inativa e, em 11 de novembro, o governador correntino Joaquín Madariaga assinou com o Paraguai um tratado ofensivo e defensivo contra Rosas, pelo qual foram concedidos ao general José María Paz quatro mil paraguaios como reforço. Em 4 de dezembro, Carlos Antonio López, persuadido pelo Império, declarou guerra a Rosas, invocando o fato de este não reconhecer a independência paraguaia.
Urquiza invadiu Corrientes em janeiro de 1846 e, em 14 de fevereiro, venceu em Laguna Limpia as tropas antifederais do chamado “Exército Aliado Pacificador”, organizado pelo “manco” Paz. O tenente López Jordán — que combatia sob as ordens do general Garzón — fez prisioneiro o general Juan Madariaga, irmão do governador correntino. Com a dissolução do Exército Aliado Pacificador, López Jordán retornou ao serviço do comandante Moreno, até 1847. Posteriormente, às ordens do general Garzón e comandando três esquadrões, participou da batalha do Potrero de Vences (27 de novembro de 1847), ocasião em que conseguiu salvar a vida de alguns derrotados que seriam executados.
Foi nessa batalha de Vences que, pela primeira vez, López Jordán e Benjamín Virasoro combateram juntos no mesmo campo federal. Mais tarde, em Pavón, voltaríamos a vê-los lado a lado.
Por decreto de 6 de julho de 1849, expedido pelo governador delegado Antonio Crespo, o tenente López Jordán foi nomeado Comandante Militar de Concepción del Uruguay, capital da província. Em maio daquele ano, o general Urquiza havia chamado a colaborar em seu governo Manuel Leiva, conhecido unitarista e ex-redator dos periódicos correntinos La Revolución e El Pacificador. Foi nessa época que Ferré teria dito a Leiva: “Já começo a suspeitar que don Justo José de Urquiza será o encarregado de colocar don Juan Manuel em seu devido lugar”. Com toda certeza, mais de um chefe entrerriano deve ter estranhado essa colaboração unitarista promovida por Urquiza.
Um decreto de 25 de outubro de 1850, assinado por Urquiza e pelo general José M. Galán, promoveu López Jordán ao posto de Capitão de Cavalaria de Linha (Recopilación de Leyes, Decretos y Acuerdos de la Provincia de Entre Ríos (1821–1873), tomo VI, Concepción del Uruguay, 1876). Apesar da juventude, já se destacava como um dos principais oficiais da província.
A intriga do Império
Enquanto isso, o Império não descansava; indivíduos ligados às lojas escocesas entravam a seu serviço e circulavam pelo Litoral, trabalhando sobre a moral dos homens públicos, com o olhar voltado para o governante antilogista, dom Juan Manuel de Rosas. Naqueles dias, o Ministro das Relações Exteriores, Paulino Soares de Souza, espalhava seus agentes bem financiados pela Banda Oriental, Paraguai, Corrientes e Entre Ríos. A imprensa dos emigrados unitários servia aos desígnios brasileiros com alta eficiência. O fim da intervenção francesa nas terras do Prata, alcançado por Rosas, significaria um fortalecimento militar para a Confederação Argentina, o que preocupava o Brasil mais do que qualquer outro fato. Era necessário agir com tato, mas com rapidez, e conseguir o apoio de Urquiza o quanto antes; o Brasil era experiente em trabalhos diplomáticos, especialmente diante de homens como Urquiza, que cediam facilmente à eloquência dos doutores unitários.
Urquiza foi “comprado” pelo Brasil para trair sua Pátria em 1852 — fato atestado pelo próprio Sarmiento, que escreve a Urquiza, desde o Chile, em 13 de outubro de 1852:
“Permaneci dois meses na corte do Brasil, no convívio quase íntimo dos homens de Estado daquela nação, e conheço todos os detalhes, general, bem como os pactos e transações pelos quais V. Exa. entrou na aliança contra Rosas. Tudo isso, desconhecido hoje pelo público, já é domínio da História e encontra-se arquivado nos Ministérios das Relações Exteriores do Brasil e do Uruguai.” (…) “Sentia vergonha ao ouvir aquele Enviado (Honorio Hermeto Carneiro Leão, o Indobregável) relatar a irritante cena, e os comentários: ‘Sim, os milhões com os quais tivemos que comprá-lo para derrubar Rosas! Ainda depois de entrar em Buenos Aires queria que lhe entregasse os cem mil duros mensais, enquanto ofuscava o brilho de nossas armas em Monte Caseros para atribuir a si sozinho os méritos da vitória.’” (Domingo Faustino Sarmiento, Carta de Yungay, 13.10.1852)
Um escritor urquicista, Leandro Ruiz Moreno, faz uma observação grave e reveladora: “Não se pode negar a sutileza da política brasileira, digna herdeira da lusitana, no desenvolvimento anterior e posterior dos acontecimentos relacionados à história de nosso país, e, neste caso, à campanha contra o General Dom Juan Manuel de Rosas.” (Leandro Ruiz Moreno, Centenários do Pronunciamento de Monte Caseros, tomo I, Paraná, 1952)
A intriga unitária
Urquiza vinha sendo influenciado por agentes unitários — doutores, jornalistas e comerciantes — desde 1845, como relata o general Paz em suas Memórias. Em maio daquele ano, Urquiza enviou ao general José María Paz um agente reservado, Benito Optes, cunhado e sócio de dom Justo, para informá-lo sobre o acordo vigente entre alguns chefes federais para derrubar Oribe e Rosas.
Em 13 de agosto de 1846, os irmãos Madariaga foram recebidos por Urquiza em Arroyo Colorado, próximo a Alcaraz, assinando-se no dia seguinte o acordo que ficou conhecido por esse nome. O Deão Juan José Álvarez afirma categoricamente que “o projeto de derrubar Rosas foi o tema reservado daquele acordo”. Tudo indica que, ao fracassar Lavalle, os agentes unitários e pró-Brasil buscavam apenas dividir o Partido Federal e encontrar instrumentos nas ambições de alguns chefes influentes.
Enquanto isso, Urquiza seguia em negociações e acordos com doutores e jornalistas unitários, como Juan Francisco Seguí, o já citado Leiva, Angel Elías e o comerciante catalão Antonio Cuyás e Sampere. Em 22 de setembro de 1850, reuniu-se em Concordia com o governador de Corrientes, Benjamín Virasoro, para estabelecer as bases de uma aliança contra Rosas.
A traição: Caseros
É assim que ocorre o “milagre da Casa de Bragança”.
Urquiza conta com o agente confidencial Cuyás e Sampere em Montevidéu, que aguarda as proposições brasileiras. Estas chegam rapidamente por intermédio de Rodrigo de Silva Pontes, encarregado de negócios do Brasil na capital uruguaia: tratava-se de conhecer a atitude de Urquiza em caso de guerra entre o Brasil e a Confederação.
Em abril de 1850, Cuyás escreve a dom Justo transmitindo a pergunta formulada pelo diplomata imperial. Porém, os acontecimentos deixam a resposta em suspenso por algum tempo. O conflito armado entre o Brasil e a Confederação era iminente. Em 30 de setembro daquele ano, as relações diplomáticas são rompidas. O general Tomás Guido abandona sua embaixada no Rio de Janeiro. Urquiza é designado por Rosas “General em Chefe do Exército de Operações”. É evidente que dom Justo, já cedendo diante do Império, considera prematuro manifestar-se publicamente contra Rosas.
Em 16 de abril de 1851, Cuyás e Sampere, após longas conferências com Urquiza e seus ministros, chegam a Montevidéu com instruções suficientes para preparar um tratado de aliança (José María Rosa, La iniciativa del pronunciamiento de Urquiza, Boletín del Instituto de Investigaciones Históricas Juan Manuel de Rosas, nº 15, agosto de 1952, Buenos Aires). Quinze dias depois, Urquiza torna público o chamado Pronunciamento contra Rosas. Já não prefere “a morte à escravidão”.
Diante de todos esses passos tomados pelo governador de Entre Ríos, nem sempre públicos para os chefes menores do federalismo, o capitão López Jordán cumpre fielmente as ordens de Urquiza. É um dos primeiros a cruzar o rio Uruguai e entrar na Província Oriental, dirigindo-se a Montevidéu, então sitiada por Oribe. Cumpre ali, por ordem do governador de Entre Ríos, uma missão especial junto a Oribe e ao Governador sitiado. Uma das gestões realizadas pelo comandante Jordán é registrada na carta que Luis J. de la Peña escreve ao general Rosendo M. Fraga, de Montevidéu, em 26 de setembro de 1851: “Nestes dias tivemos aqui o Sor. Comandante Ricardo López, que veio com comunicação do Sor. General pelo Campo inimigo, e com passaporte de Oribe. Espera-se seu retorno a qualquer momento, trazendo a resposta às notas que daqui levou…” (Leandro Ruiz Moreno, obra citada).
Mais explícita é a nota de Manuel Leiva ao coronel José Manuel Galán, escrita em Gualeguaychú em 29 de setembro: “O Comandante D. Ricardo López Jordán esteve em Montevidéu com uma missão que não nos é detalhada para não comprometer a escrita, mas assegura-se que foi muito satisfatória: sem dúvida, trouxe o convênio. Ricardo retornou em 24 ou 25 e esperava-se seu retorno em 26.” (Leandro Ruiz Moreno, obra citada).
Finalmente, em 8 de outubro, durante as negociações para o término da guerra entre sitiadores e sitiados, é ele quem leva as comunicações ao Governo da Defesa. Em carta da mesma data, lê-se: “Hoje, por volta das onze da manhã, chegou aqui nosso amigo, o capitão D. Ricardo López, trazendo oficialmente a notícia do completo término da guerra neste território. Todo o Exército de Oribe se entregou a critério da Defesa.” (Leandro Ruiz Moreno, obra citada).
Pela sua importante intervenção, as autoridades da Província do Prata presenteiam-lhe com uma espada, com bainha e punho de prata, ostentando a inscrição: “Ao Capitão Comandante Don Ricardo López Jordán, o Governo de Montevidéu”.
Durante a permanência em Montevidéu, López Jordán, então com 29 anos, mandou fazer, por Amadeo Gras, um belo retrato a óleo, que é conservado pelos descendentes do caudilho. Referindo-se a essa obra, Mario César Gras observou: “Percebe-se a firmeza de seus traços, o gesto resoluto de um homem feito para ações executivas e empresas heroicas, digno herdeiro de seu tio Francisco Ramírez.” (Mario César Gras, El pintor Gras y la iconografía histórica sudamericana, Buenos Aires, 1946.)
A sequência imediata de acontecimentos anteriores a Caseros foi a seguinte: em 1º de maio, na praça principal de Concepción del Uruguay, Pascual Calvento lê, diante do público e das autoridades presentes, o chamado Pronunciamento; em 29 de maio, em Montevidéu, é assinado o convênio da aliança entre o Brasil, a República Oriental e Entre Ríos, documento rubricado por Rodrigo de Souza da Silva Pontes, Manuel Herrera y Obes e Antonio Cuyás y Sampere, respectivamente; em 19 de julho, Urquiza inicia, frente a Paysandú, a travessia das tropas entrerrianas; em 29 de julho, reuniram-se na Ilha Libertad, frente a Gualeguaychú, Urquiza, Herrera y Obes, Grenfell e Garzón, para definir as operações contra o general Oribe; em 18 de agosto, dom Juan Manuel de Rosas declara guerra ao Império do Brasil; e em 4 de setembro de 1851, o exército brasileiro entra na Banda Oriental por Santa Ana do Livramento, sob o comando do Conde de Caxias.
A “entrega” de Urquiza
Em julho de 1860, Urquiza e Derqui viajam a Buenos Aires convidados por Bartolomé Mitre, que, na festa realizada, faz o seguinte brinde: “Saúdo o general Urquiza, que recuou diante da revolução de setembro, e que hoje retorna desarmado, como se fosse Washington, ao se inclinar diante da mesma que o expulsou antes a tiros, respeitando sua soberania e liberdade.” (Chanetón, Abel. Historia de Vélez Sársfield)
Urquiza, limitado em entendimento e habilidade política, emociona-se às lágrimas diante das aclamações. No entanto, Guido, em correspondência à esposa, estranha: “Quem diria que o general Urquiza e o presidente Derqui se sentariam juntos com o general Mitre e com Sarmiento como íntimos amigos? Muito vi em cinquenta anos de revolução, mas nada tão inesperado!”
A efusão dos abraços duraria pouco. Os protocolos davam a Derqui os melhores lugares em banquetes e recepções, e “durante a permanência em Buenos Aires, os ciúmes do general Urquiza em relação ao presidente Derqui aumentaram consideravelmente. Um pressentimento e suspeita constante agitavam Urquiza: o temor de que Derqui e Mitre se pusessem de acordo para destruir seu prestígio e influência” (Juan Coronado, secretário de Urquiza). “O general Urquiza, detentor do prestígio de imensa fortuna, do prestígio militar e do poder… não se convence de que já não é presidente da Confederação, e será necessário muito tato do senhor Derqui para evitar que se transforme em uma brecha, caso em que Urquiza buscará apoio em Buenos Aires” (relatório de Thornton a Londres). Mas a brecha já existia, talvez desde sempre.
A entrada de Urquiza na armadilha liberal mitrista fica confirmada na seguinte resolução da maçonaria:
*1º.- “O Muito Poderoso Conselho e Grande Oriente da República Argentina, avaliando devidamente as eminentes qualidades cívicas e maçônicas que adornam os dignos irmãos Bartolomé Mitre, grau 3º; Juan Gelly y Obes, grau 3º; e Domingo Faustino Sarmiento, grau 18; os eleva a Soberanos Grandes Inspetores, grau 33.
2º.- Pelas mesmas considerações, o Supremo Conselho eleva do grau 18 ao 33 o Respeitável Irmão Santiago Derqui; e regulariza e reconhece no mesmo grau o Irmão Justo José de Urquiza.
3º.- Os Irmãos mencionados no artigo anterior devem afiliar-se como membros ativos da Loja Obediência do Supremo Conselho.”* (Martín Lascano, Las sociedades secretas, políticas y masónicas en Buenos Aires, 1927)
Evidentemente, o nome “Loja Obediência” se ajusta perfeitamente às futuras atitudes de Urquiza. Os irmãos promovidos são convidados ao Templo da Loja União do Prata em 21 de julho, e, na presença de Roque Pérez, Mitre e Urquiza, juram e se comprometem “por todos os meios possíveis à pronta e pacífica Constituição definitiva da Unidade Nacional” (Martín V. Lascano, idem). Assim, ficam seladas as correntes da Confederação aos manejos liberais dos porteños e mitristas.
Em 29 de outubro, o “irmão” Urquiza convida o “irmão” Mitre ao Palácio de San José. Mitre chega a Concepción del Uruguay em 10 de novembro para celebrar o Pacto de Novembro, com grande expectativa de muitos. Porém, há quem compreenda a situação e não a aceite: o general Ricardo López Jordán.
“O general López Jordán” – relata Juan Coronado – “que era então Ministro do Governo de Entre Ríos, e a quem os deveres de protocolo obrigaram a acompanhar até San José o general Mitre e sua comitiva, voltou para o Uruguai ao chegar, apesar do calor intenso, prevendo o desfecho da reunião. Este jovem e ilustrado general, o mais capaz e inteligente militar da província, possivelmente destinado à linha de frente da República, tinha a vantagem de conhecer as miserias e a nulidade do general Urquiza, assim como as intenções dos inimigos da igualdade federal.” (Juan Coronado, Misterios de San José, Buenos Aires, 1866)
Nada de bom resultaria do cónclave. Os jornais falavam da “Trindade governativa”, mas cada um cuidava de seus interesses. Mitre presenteava Urquiza com o bastão de governador de Buenos Aires, e este tentava convencer Mitre a governarem sem Derqui; enquanto isso, o “dorminhoco” Derqui permanecia ocioso em sua cama, recebendo Mitre em reuniões misteriosas.
Coronado, secretário de Urquiza, relata: “Na manhã de 14 de novembro, o General Urquiza entrou na secretaria enquanto todos os hóspedes de San José dormiam, e, não os encontrando lá, nos mandou chamar. O general estava tomado pela raiva e precisava desabafar. Atendemos ao seu chamado. Após perguntar como passamos a noite, disse: Mal. Não dormi mais que uma hora; minha mente está inquieta com tanta astúcia. Esperando uma explicação sobre o sentido dessas palavras, permanecemos em silêncio. Depois de um pequeno intervalo, continuou: ‘Não percebeu a condução desses pícaros? Há quatro dias estão em minha casa e, até agora, nenhum deles falou uma palavra sobre política; eles acreditam que não percebo, mas se enganam. Duas vezes entrei no quarto do Dr. Derqui e o encontrei conversando com Mitre. Ao me verem, mudaram de assunto. Estive tentado a lhes mostrar que não sou o que pensam.’” (Coronado, Misterios de San José).
Nada de bom poderia resultar:
“Em resumo, a conferência que tanto chamou atenção reduziu-se a comer, passear e dançar. O presidente dorminhoco, de fato, dormiu… o general Mitre tomou Campo. Se antes havia desânimo ou temores quanto à conferência, esses receios aumentaram consideravelmente.” (de la Peña a J.M. Gutiérrez)
“A conferência de San José não nos deixou satisfeitos. Parece que o general teve palavras sérias e muito desagradáveis com o presidente. Não houve maior entendimento do que antes; ao contrário, ficou reconhecido, tanto no círculo de Mitre quanto pelo presidente, que o triunvirato com o Capitão General não poderia durar.” (Lucero a Pujol)
Interpretações de Caseros
No debate sobre Caseros, os escritores assumem três posturas fundamentais, correspondentes a três distintos pontos de vista sobre o caso Rosas.
Em primeiro lugar, os historiadores liberais e a história escolar argentina enfocam toda a política rosista sob a ótica de um partido vencedor, fundamentando-se em pressupostos que vão de Amalia, de Mármol, ao Facundo, de Sarmiento. Em segundo, encontram-se os escritores marxistas, para os quais a política de Rosas representa a de um senhor feudal rioplatense, que competia com o capitalismo europeu ou, no máximo, a de um homem que constitui um enigma histórico fora do esquema da dialética econômica. Por fim, há os que explicam o caso Rosas sem esquemas pré-concebidos, partindo apenas dos acontecimentos que se encadearam no Rio da Prata após 1820. (Chávez, Fermín. Vida y muerte de López Jordá, Edit. Theoría, p.30)
Para os ensaístas liberais clássicos, Rosas teria se bloqueado a si mesmo e aos seus interesses entre 1838 e 1849, apenas para criar dificuldades e justificar uma matança de doutores e jornalistas unitários; para eles, a unidade do povo e dos estancieiros que apoiavam o governo federal não poderia ser aceita, pois os unitários cultos aliados ao exterior não participavam dessa unidade. Portanto, Caseros seria a “libertação” do país das garras de um Tirano que se opunha à organização nacional, à lei escrita e ao combate aos Rivera, Paz, Herrera y Obes, Paulino Soarez de Souza, Purvis, ao rei Luís Felipe e a Florencio Varela.
Para os marxistas não liberais, a política de Rosas é um enigma: sendo o primeiro estancieiro da província, o general Rosas era também líder das classes populares, de onde derivava grande parte de seu poder. Para eles, Caseros representa o fim de um regime estancieiro, alcançado com ajuda de agentes do Progresso, como Barão de Mauá, Buschental, Inglaterra ou França. Em síntese, ambas as posições — liberal e marxista — coincidem em justificar Caseros como triunfo do Progresso sobre a Barbárie.
A verdade é que, como demonstraram suas consequências, Caseros significou a derrota da resistência americana frente ao imperialismo internacional e às oligarquias nacionalistas influenciadas pelo exterior. Poucas semanas após o desfile dos exércitos brasileiros pelas ruas de Buenos Aires, os argentinos puderam perceber quem foram os verdadeiros vencedores da batalha; a divisão e a anarquia, habilmente exploradas pela diplomacia imperialista, lesionaram mortalmente a frente comum dos povos que buscavam fortalecer a antiga estrutura federal. Os fatos deram razão a dom Juan Manuel, e não ao general do Pronunciamento: a independência do Paraguai, a livre navegação dos rios Paraná e Uruguai, e a imposição mal traduzida de uma Constituição estrangeira como Carta Magna favoreceram apenas potências não continentais e o expansionismo brasileiro. Caseros destruiu a ideia bolivariana e artiguista e anarquizou as forças morais capazes de criar nossa própria identidade histórica.
Rosas detinha o poder público absoluto e, em 1831, recusou convocar um congresso para evitar que a anarquia ressurgisse com todos os seus horrores. Mas isso não impede de reconhecer que:
Rosas defendeu a soberania interna da nação a qualquer custo, ou seja, protegeu o essencial contra o formal representado por uma lei escrita. Como não compreender, então, as palavras de Juan Bautista Alberdi em carta a Máximo Terrero, de 1863, pensando nos vencedores de Pavón:
“Que justificação solene recebe com tudo isso o general Rosas! As falhas que possam ter sido atribuídas à sua política referiam-se a pessoas e interesses individuais. Mas jamais introduziu nas instituições fundamentais, que dizem respeito à integridade da Nação e à sua soberania interna ou externa, qualquer uma daquelas inovações sacrílegas com que esses demagogos, fúteis em seu saber tenebroso, estão despedaçando os alicerces de nossa pobre República.” (Ignacio Oyuela. Juan Bautista Alberdi, una conciencia anormal, Buenos Aires, 1920)
Até 1863, ninguém qualificara os doutores unitários com a precisão de Alberdi, ao chamá-los de “fúteis em seu saber tenebroso” em relação aos vencedores de Caseros. Alberdi sabia o que dizia, assim como sabem alguns escritores de formação marxista, como Víctor Guerrero, ao relatar conscientemente as consequências de Caseros: “De 1852 a 1868, estouraram nas províncias argentinas 117 revoluções e ocorreram 91 combates, com um total de 4.728 mortos. Tal foi o resultado direto da ‘democracia’ imposta em Caseros.” (Víctor Guerrero. Alem, historia de un caudillo, Buenos Aires, 1951)
Os federais que apoiaram Urquiza em Caseros e que, como López Jordán, ainda não compreendiam plenamente o que estava em jogo, confiaram na política de dom Justo, a quem conheciam de perto como organizador militar da guerra contra Rivera e que várias vezes se expressara como verdadeiro americano. Em Caseros, López Jordán atuou como sargento-mor. Tinha trinta anos e ainda acreditava em Urquiza como federal e como homem do Rio da Prata.
Bibliografía:
- Chávez, Fermín. Vida y muerte de López Jordán. Edit. Theoría
- Saldías, Adolfo. Historia de la Confederación Argentina. Eudeba.
Bs.As. 1978
- Castagnino Leonardo. Juan Manuel de
Rosas, Sombras y Verdades
- Rosa, José Maria. Historia Argentina. Editorial Oriente.
Bs.As.
- Rosa, José Maria. Rosas y el Imperialismo - La caída. Offsetgrama.
Bs.As. 1974.
- Federico de la Barra. La vida de un traidor. Emp.Reimpresora y
Adm.de Obras Americanas. Bs.As.1915
- Obras citadas
- La Gazeta Federal www.lagazeta.com.ar