Tratado da Tríplice Aliança contra o Paraguai

Leonardo Castagnino

Postado pela Ação Restauracionista em 2025-09-09 10:54:00

Postagem original: https://www.lagazeta.com.ar/triple.htm


Segredo revelado

No período da Batalha de Tuyutí, correu pelo acampamento aliado uma notícia estremecedora: o tratado ultrassecreto de 1º de maio havia sido publicado, e suas cláusulas — que previam a divisão dos despojos do Paraguai — passaram a ser comentadas e analisadas em todos os países da América.

O britânico John Russell havia incentivado a guerra entre Brasil e Argentina contra o Paraguai, porque um Paraguai inacessível às suas mercadorias, dono de seus rios, gestor de sua própria riqueza, com altos-fornos, telégrafo, ferrovias e a fortaleza de Humaitá, representava um escândalo na América.

Em determinado momento, Russell considerou conveniente, sempre atento a seus interesses econômicos, dar por encerrada a guerra, o que chocava com os interesses do Brasil, disposto a levá-la até seus extremos. O inglês buscou então mecanismos para que “toda a América e toda a Europa se colocassem contra o prepotente Império e seus modestos auxiliares”.

Em 2 de março de 1866, Russell inseriu o tratado secreto (em inglês) em um livro denominado Blue Book. O escândalo foi tremendo. Alberdi retraduziu o texto para o espanhol, sendo publicado em La América de Buenos Aires, em abril. No mesmo mês, El Pueblo de Buenos Aires comentou: “essa obra de cinismo e abjeção… faz ferver o sangue de indignação diante de tanto servilismo”. No interior, a imprensa acusava abertamente Mitre de ter provocado a invasão de Corrientes. La América, em 23 de maio, dizia: “O Livro Azul (Blue Book) de uma monarquia egoísta, como as tábuas do profeta do Sinai, vem advertir à democracia muda ou adormecida que a vendem por trinta dinheiros”.


O tratado

Em 1º de maio de 1865, Francisco Octaviano de Almeida Rosa (substituto de Paranhos e integrante do Partido Liberal brasileiro), Carlos de Castro (chanceler do governo de Venancio Flores) e Rufino de Elizalde (chanceler do governo de Mitre) assinaram, na cidade de Buenos Aires, um tratado de aliança que permaneceria secreto devido às suas cláusulas comprometedores, cujo texto é o seguinte:

Art. 1. A República Oriental do Uruguai, Sua Majestade o Imperador do Brasil e a República Argentina contraem aliança ofensiva e defensiva na guerra provocada pelo governo do Paraguai.

Art. 2. Os aliados deverão participar com todos os meios de que disponham, por terra ou por rios, conforme necessário.

Art. 3. Devendo as hostilidades iniciar-se no território da República Argentina ou na parte fronteiriça do território paraguaio, o comando em chefe e a direção dos exércitos aliados ficarão a cargo do presidente da República Argentina e general em chefe de seu exército, brigadeiro Bartolomé Mitre. As forças navais dos aliados estarão sob as ordens imediatas do Vice-Almirante Visconde de Tamandaré, comandante em chefe da esquadra de S.M. o Imperador do Brasil. As forças terrestres de S.M. o Imperador do Brasil formarão um exército sob as ordens de seu general em chefe, o brigadeiro Manuel Luís Osório. Apesar de as altas partes contratantes estarem de acordo em não alterar o teatro das operações de guerra, ficam desde já comprometidas a observar o princípio da reciprocidade quanto ao comando em chefe, caso as operações precisem se deslocar para território uruguaio ou brasileiro, a fim de preservar os direitos soberanos das três nações.

Art. 4. A disciplina interna e a logística das tropas ficarão a cargo exclusivo de seus respectivos comandantes. Soldos, provisões, munições, armas, uniformes, equipamentos e meios de transporte das tropas aliadas serão de responsabilidade de seus respectivos Estados.

Art. 5. As altas partes contratantes se prestarão mutuamente os auxílios de que dispuserem ou necessitarem, conforme acordado.

Art. 6. Os aliados obrigam-se solenemente a não depor as armas senão por comum acordo e enquanto não tiverem derrubado o governo atual do Paraguai, assim como a não negociar separadamente, nem assinar qualquer tratado de paz, trégua ou armistício que ponha fim ou suspenda a guerra, salvo perfeita conformidade de todos.

Art. 7. Não sendo a guerra contra o povo paraguaio, mas contra seu governo, os aliados poderão admitir em uma legião paraguaia todos os cidadãos que desejarem participar da derrubada do governo, providenciando-lhes os meios necessários, conforme acordado.

Art. 8. Os aliados obrigam-se a respeitar a independência, soberania e integridade territorial da República do Paraguai. Consequentemente, o povo paraguaio poderá escolher seu governo e suas instituições, sem se incorporar ou solicitar protetorado de nenhum dos aliados como resultado da guerra.

Art. 9. A independência, soberania e integridade territorial da República serão garantidas coletivamente, conforme o artigo anterior, pelas altas partes contratantes, pelo período de cinco anos.

Art. 10. Fica acordado que as isenções, privilégios ou concessões obtidas do governo paraguaio serão comuns a todos os aliados, gratuitamente se assim forem concedidas, ou com a mesma compensação se forem condicionais.

Retirar do Paraguai a soberania sobre seus rios

Art. 11. Uma vez derrubado o governo do Paraguai, os aliados procederão aos ajustes necessários com as autoridades constituídas para assegurar a livre navegação dos rios Paraná e Paraguai, de modo que os regulamentos ou leis daquela República não obstruam, impeçam ou onere o trânsito e a navegação direta de embarcações mercantes ou de guerra dos Estados Aliados, dirigidas a seus respectivos territórios ou domínios que não pertençam ao Paraguai, tomando as garantias convenientes para a efetividade desses ajustes. Esses regulamentos de política fluvial, seja para os dois rios mencionados ou também para o Uruguai, serão estabelecidos de comum acordo entre os aliados e quaisquer outros Estados ribeirinhos que, dentro do prazo acordado pelos aliados, aceitem o convite que lhes for feito.

Art. 12. Os aliados reservam-se o direito de adotar as medidas mais convenientes a fim de garantir a paz com a República do Paraguai após a queda do atual governo.

Art. 13. Os aliados nomearão oportunamente os plenipotenciários encarregados de celebrar os ajustes, convenções ou tratados cabíveis com o governo que se estabelecer no Paraguai.


Responsabilizar o Paraguai pela dívida de guerra

Art. 14. Os aliados exigirão do governo paraguaio o pagamento das despesas de guerra que se viram obrigados a suportar, bem como a reparação e indenização pelos danos e prejuízos causados a suas propriedades públicas e privadas e às pessoas de seus cidadãos, sem declaração formal de guerra, incluindo os danos subsequentes cometidos em violação aos princípios que regem as leis da guerra. A República Oriental do Uruguai exigirá também indenização proporcional aos danos e prejuízos que lhe foram causados pelo governo paraguaio, forçando-a a entrar em guerra em defesa de sua segurança ameaçada por aquele governo.

Art. 15. Em uma convenção especial será definido o modo e a forma para a liquidação e pagamento da dívida decorrente das causas mencionadas.


Repartir o território em disputa ou exclusivamente paraguaio

Art. 16. A fim de evitar disputas e guerras decorrentes das questões de limites, estabelece-se que os aliados exigirão do governo paraguaio a celebração de tratados definitivos de fronteira com os respectivos governos, com base nas seguintes condições: a República Argentina será separada do Paraguai pelos rios Paraná e Paraguai, até alcançar os limites do Império do Brasil, sendo estes, na margem direita do Rio Paraguai, a Baía Negra. O Império do Brasil será separado do Paraguai, na parte do Paraná, pelo primeiro rio após a Cascata das Sete Quedas, identificado pelo mapa recente de Mouchez como o Igurey, e desde a foz do Igurey até sua nascente. Na margem esquerda do Paraguai, pelo Rio Apa, desde sua foz até sua nascente. No interior, desde o cume da serra de Mbaracayú, as vertentes a leste pertencerão ao Brasil e as a oeste ao Paraguai, traçando-se linhas tão retas quanto possível da referida serra até a nascente do Apa e do Igurey.

Art. 17. Os aliados garantirão reciprocamente o fiel cumprimento dos acordos, ajustes e tratados a serem celebrados com o governo que se estabelecer no Paraguai, conforme previsto neste tratado de aliança, que permanecerá sempre em plena vigência, a fim de que tais estipulações sejam respeitadas pelo Paraguai. Para assegurar esse resultado, concordam que, caso uma das altas partes contratantes não consiga obter do governo paraguaio o cumprimento do acordado, ou caso este governo tente anular as estipulações ajustadas com os aliados, as demais partes empregarão esforços ativos para fazê-las respeitar. Se esses esforços se mostrarem inúteis, os aliados recorrerão a todos os meios disponíveis para efetivar a execução das estipulações.

Art. 18. Este tratado permanecerá secreto até que o objetivo principal da aliança seja alcançado.

Art. 19. As estipulações deste tratado que não exigirem autorização legislativa para ratificação entrarão em vigor tão logo sejam aprovadas pelos respectivos governos, e as demais a partir da troca das ratificações, que deverá ocorrer dentro do prazo de quarenta dias a partir da data do tratado, ou antes, se possível.

Em testemunho do que acima foi acordado, os abaixo assinados, plenipotenciários de S.E. o Presidente da República Argentina, de S.M. o Imperador do Brasil e de S.E. o Governador Provisório da República Oriental, em virtude de nossos plenos poderes, assinamos este tratado e aplicamos nossos selos na Cidade de Buenos Aires, em 1º de maio do ano de Nosso Senhor de 1865.

Também foi assinado um protocolo adicional, igualmente secreto, que estabelecia o seguinte: 1) demolição das fortificações de Humaitá; 2) desarmamento do Paraguai e divisão de armas e equipamentos de guerra entre os aliados; 3) distribuição dos troféus e despojos obtidos em território paraguaio.

Fontes:

- Castagnino L. Guerra del Paraguay. La Tripe Alianza contra los paises del Plata
- Rosa, José María – La Guerra del Paraguay y las montoneras argentinas – Buenos Aires (1985).
La Gazeta Federal www.lagazeta.com.ar