Confissões do Império

Leonardo Castagnino

Postado pela Ação Restauracionista em 2025-09-09 10:21:00



Postagem original: https://www.lagazeta.com.ar/confesion_del_imperio.htm


Política expansionista do Brasil

O Império do Brasil manteve historicamente uma política expansionista sobre a bacia do Rio da Prata, muitas vezes tolerada pelos governos argentinos e, por vezes, até incentivada. Um exemplo foi a invasão brasileira à Banda Oriental, tolerada por Buenos Aires como forma de se livrar do líder oriental José Gervasio de Artigas, ou a vergonhosa capitulação diplomática de Rivadavia após a vitória das armas argentinas em Ituzaingó, capitulação que levou à renúncia precipitada de Rivadavia e ao posterior derrocamento e fuzilamento de Manuel Dorrego, intrigado pelos unitários.

Também articularam-se com os unitários contra Rosas, que restringia seu expansionismo, até culminar nos acontecimentos de Caseros. Livres de Rosas, conseguiram de Urquiza a livre navegação pelos rios interiores da Confederação, diante da passividade unitária e do espanto de alguns patriotas, como Tomás Guido, que se escandalizava ao ver os brasileiros navegando como senhores do Paraná, apenas quatro anos após a Confederação rosista, que havia negado tal direito nada menos que às duas maiores potências da época. Logo após Caseros, a frota brasileira percorreu o Paraná tranquilamente, abastecendo-se em seus portos, sem se importar com algumas tímidas protestas argentinas. Guido, recordando os tempos da Confederação de Rosas, escreveu a Olazábal em 30 de janeiro de 1855: “Quatro anos se passaram… Você acreditaria que o Brasil se lançaria em tais expedições marítimas buscando confrontos no Rio da Prata e seus afluentes? Parece-me um sonho o que estou presenciando, e tudo devido aos nossos erros”.

O Brasil havia se expandido sobre as Missões Orientais e ocupado a região de Matto Grosso, jamais reconhecida pelo Paraguai, que a considerava parte de seu território herdado da Espanha. Durante a época de Rosas, o Império Brasileiro tentou conquistar a simpatia paraguaia mediante o reconhecimento prematuro do pedido de independência do Paraguai, não concedido por Rosas, que via o Paraguai como uma província autônoma, mas integrante da Confederação Argentina. O Império chegou até a cogitar a criação de um “ducado” brasileiro no Paraguai.

Com a queda de Rosas, os brasileiros buscaram a cumplicidade do mitrismo para apoderar-se do Paraguai. O primeiro passo seria derrubar o governo “blanco” oriental e substituí-lo por um governo aliado. Para isso, incentivaram e apoiaram, moral e materialmente, a invasão do líder oriental Venancio Flores, que até então servia no exército mitrista. O apoio do mitrismo à invasão florista foi público e notório. As agressões brasileiras em território oriental, em defesa das chamadas “Californias” riograndenses, culminaram na tomada de Paysandú e na queda de Montevidéu. Enquanto isso, programava-se a Tríplice Aliança contra o Paraguai.

A Banda Oriental era considerada “a chave do Prata”, e o Paraguai não podia permitir ser isolado como país mediterrâneo. Assim o compreendiam Francisco Solano López e o próprio Juan Bautista Alberdi, entre outros. Os povos do interior se opunham à política portenha e brasileira, enquanto Urquiza mantinha um equilíbrio instável entre ambas as posições, traindo tanto amigos quanto inimigos.

Esses acontecimentos culminaram na declaração de guerra do Paraguai ao Império, na apreensão do navio “Marquês de Olinda”, que transportava armas em violação aos tratados, e na ocupação paraguaia da região do Mato Grosso. O Império, então, “ergueu o grito ao céu” e buscou obter uma desculpa cínica.

A Confissão do Império

Em razão desses acontecimentos, o Ministro Paranhos dirigiu uma nota a Rufino de Elizalde e a outros representantes estrangeiros. Nessa nota, Paranhos procura assumir o papel de “país agredido” e justificar as ações passadas e futuras do Brasil. Sabemos, no entanto, que o Império mantinha uma política expansionista constante, com pretensões de anexar territórios, influenciar os assuntos do Prata e garantir direitos na bacia dos rios interiores. Não conseguira reter a anexação da “Província Cisplatina”, mas tentara participar, direta ou indiretamente, da agressão anglo-francesa contra a Confederação de Rosas, e, após Caseros, consolidara sua influência na política do Prata. A nota é interessante porque, embora repleta de mentiras e cinismo, constitui uma confissão escrita que deixa clara a política expansionista imperial, expressa pela boca de um ministro do Império.

_“Missão especial do Brasil.

Buenos Aires, 26 de janeiro de 1865.

O abaixo assinado, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário de S.M. o Imperador do Brasil, acreditado em missão especial junto à República Argentina, recebeu ordens para dirigir a S.E. o Sr. Dr. D. Rufino de Elizalde, Ministro das Relações Exteriores da República Argentina, o manifesto que é objeto da presente nota. O Governo da República do Paraguai, surpreendendo a boa-fé e a moderação do Brasil, declarou-lhe guerra, em aliança com o Governo de Montevidéu, e já levou suas armas a populações quase indefesas da Província de Matto Grosso.”_ (O Mato Grosso havia sido usurpado pelos brasileiros, mantendo com o Paraguai uma antiga disputa de limites)

O governo imperial –continua a nota– deseja que as potências amigas possam apreciar, em seu julgamento imparcial e esclarecido, quão injusto e inaudito foi o temerário procedimento de um governo com o qual o Brasil se esforçava por cultivar as mais benévolas relações de vizinhança. A República do Paraguai, Sr. Ministro, vivia isolada do comércio das demais nações e ameaçada em sua existência pelo ex-governador Rosas, quando entre ela e o Brasil se estabeleceram relações de amizade e confiança recíproca. O interesse do governo de S.M. pela independência do povo paraguaio foi reconhecido pelo próprio Governo da Assunção, e disso podem dar testemunho diversos gabinetes da Europa e das Américas.”

Nesse parágrafo, o representante brasileiro “passa a conta” pelo reconhecimento da independência paraguaia; no seguinte, evidencia a coalizão contra Rosas e critica o Paraguai por restringir a navegação no rio Paraguai, enquanto o Império permitia a livre navegação no Amazonas:

_“Em 1852, aliando-se o Brasil ao Estado Oriental do Uruguai e a uma importante fração da República Argentina, contra seus opressores e inimigos do Império, os generais Rosas e Oribe, o governo imperial convidou então o do Paraguai para essa cruzada de honra e interesse comum, não pela necessidade de sua cooperação, mas como garantia de seu futuro reconhecimento da independência pela Nação Argentina. O governo paraguaio, contudo, obrigado por pactos preexistentes entre ele e o do Brasil a tomar parte ativa naquela tríplice aliança, limitou-se a prestar uma adesão meramente nominal: eximiu-se de todas as obrigações, reservando-se, entretanto, o direito de participar dos benefícios que resultaram, de fato, dos esforços do Império e de seus aliados.

Abertos os afluentes do Rio da Prata à navegação dos ribeirinhos e de todo o mundo civilizado, o governo paraguaio foi o primeiro a usufruir da concessão dos aliados, mas manteve o Alto Paraguai fechado a todas as bandeiras, inclusive às do Brasil, da República Argentina e do Estado Oriental, às quais não permitia passar além da Assunção. Essa negativa paraguaia não era mera falta de reciprocidade, mas a postergação de princípios estipulados entre o Brasil e a República pelo tratado solene de 25 de dezembro de 1850. A província brasileira do Mato Grosso, dotada de grande potencial de prosperidade, permaneceu privada da navegação exterior como antes estivera a República do Paraguai, não mais pelo poder do governador Rosas, mas pela vontade arbitrária do governo da Assunção. Assim permaneceu a província de 1852 a 1856, quatro longos anos após ter sido franqueada a navegação do Prata e de seus afluentes a todos os outros ribeirinhos.”_

Tão injusto e irritante procedimento do governo paraguaio esteve prestes a provocar uma guerra com o Brasil; este, entretanto, soube evitá-la por sua moderação, apesar dos dispendiosos preparativos já feitos para sustentar por armas seu direito. Em 1856 foram assinadas na Corte do Rio de Janeiro duas convenções que puseram fim ao conflito. Uma delas adiava a questão de limites, principal causa da contenda, porque o governo paraguaio não mais admitia qualquer solução anteriormente proposta, nem outra mais vantajosa que a República então oferecia pelo governo imperial. A segunda assegurava à bandeira brasileira o livre trânsito pelo rio comum, com a restrição, à qual o Império consentiu por amor à paz, de que apenas dois navios de guerra poderiam atravessar as águas da República rumo ao território brasileiro do Alto Paraguai.”

O que o representante do “amoroso” Império não menciona é que o tratado restringia a navegação à jurisdição paraguaia, que podia inspecionar os navios e limitar seu armamento e transporte de material bélico.

“Apenas promulgado o referido acordo amigável –continua Paranhos–, o governo paraguaio anulou-o de fato, submetendo a navegação comum a regulamentos que negavam o estipulado e tornavam impossível qualquer comércio exterior com a província do Mato Grosso.

Fácil é conjecturar o efeito que tal provocação teria sobre o ânimo do povo e do governo brasileiro. A guerra tornou-se, mais uma vez, iminente: o Brasil foi obrigado a novos armamentos; ainda assim, mesmo nessa emergência, preferiu a paz e, com prudência, pôde evitar com decoro esse recurso extremo.

O governo imperial propôs e assinou de boa-fé o acordo contido na convenção fluvial de 20 de fevereiro de 1858. Essa convenção não constituiu, para o Brasil, uma trégua sob a qual pudesse preparar-se com vantagens para rompê-la quando lhe conviesse.

Não, o governo imperial, consciente de seus direitos e certo do civismo do povo brasileiro, nunca quis ver nos excessivos armamentos paraguaios mais que o triste resultado da política meticulosa daquele governo e do regime anormal em que a República ainda permanecia.

Esperava sinceramente que o tempo e suas benévolas intenções determinassem, finalmente, a conversão daquele governo aos ditames da razão e da justiça internacional.

Nessas disposições confiava o governo imperial quando lhe sobreveio o conflito com o governo de Montevidéu e se viu, com espanto, no Rio da Prata, o governo da Assunção apresentando-se como o mais zeloso defensor da independência da República Oriental do Uruguai, cuja ameaça pelo Brasil ninguém seriamente poderia sustentar, considerando que o Brasil a defendia do poder de Rosas, sem que houvesse qualquer participação obrigatória do governo paraguaio conforme o pacto de 25 de dezembro de 1850. Após numerosos atos que evidenciaram o respeito inequívoco do governo imperial à independência daquele estado vizinho, a simples dúvida por parte do governo paraguaio constituía, por si só, uma ofensa imerecida; mas esse governo foi ainda mais longe. Erguendo-se como árbitro supremo entre o governo imperial e o da República Oriental, enviou ao primeiro uma notificação ameaçadora, que nada mais significava do que coartar ao Brasil parte de seus direitos de soberania no conflito em que se encontrava com o governo de Montevidéu.

No parágrafo anterior, o representante brasileiro diz que o conflito com Montevidéu “sobreveio”, como se fosse repentino e sem a ingerência brasileira e mitrista, e ainda reprova a “simples dúvida” paraguaia, como se o Império jamais tivesse pretensões expansionistas, quando, de fato, as teve e as executou. No parágrafo seguinte, porém, nega que o Paraguai pudesse intervir na política brasileira na Banda Oriental, embora o Império buscasse, na realidade, subjugá-la sob o pretexto de proteger seus súditos:

“O abaixo assinado –continua a nota– refere-se aqui à nota paraguaia, datada de 30 de agosto último, pela qual o presidente daquela república tentou intervir em questão da qual era totalmente alheio, sob o pretexto de perigo à independência do Estado Oriental.

O governo da Assunção não definiu a natureza nem o alcance de sua ameaça, envolvendo-a em misteriosa reserva e subordinando-a a uma cláusula – a ocupação do território oriental por forças do Brasil – que não se verificou, e que o governo imperial declarou fora de suas intenções de medidas coercitivas contra o governo de Montevidéu. A resposta a tal pretensão e ameaça não poderia ser outra senão a dada pela legação imperial na Assunção, deixando claro ao governo paraguaio que o Brasil exercia um direito inerente a todas as soberanias, e que nenhuma consideração poderia detê-lo no justo e honroso esforço de defender sua dignidade e proteger as pessoas e propriedades dos numerosos súditos brasileiros residentes no Estado Oriental.

Pelo exposto, percebe-se que os brasileiros, à semelhança dos ingleses, aplicavam nesse caso a chamada “diplomacia do marinheiro ferido”:

“A entrada de um exército brasileiro no território da República Oriental do Uruguai, sem praticar ato algum de usurpação, serviu, no entanto, de fundamento para que o presidente da República do Paraguai rompesse suas relações de paz com o Brasil. A ameaça de 30 de agosto último foi alegada como prévia e solene declaração de guerra, para justificar um abuso incalculável da boa-fé internacional com que aquele governo iniciou suas hostilidades contra o Brasil. O senhor Ministro tem conhecimento da captura insidiosa do paquete brasileiro “Marquês de Olinda”, que navegava pacificamente pelo Rio Paraguai com destino à província do Mato Grosso, e da prisão aflictiva a que foram submetidos alguns passageiros indefesos daquela embarcação, entre os quais se encontrava um alto funcionário brasileiro, que se dirigia à província para assumir a administração daquela região.”

O ministro omitia, contudo, descrever a natureza da carga transportada pelo navio, classificando-a como “pacificamente” transportada por “passageiros indefesos”.

“O governo da Assunção considerou como prisioneiros de guerra e tratou com extrema severidade passageiros que simplesmente transitavam pelas águas da República, confiantes no estado de paz existente entre ambos os países e à sombra de um direito incontestável. Os tempos modernos não oferecem exemplo de atentado semelhante.”

Os exemplos não faltavam, inclusive fornecidos pelo próprio Império: as “Californias” e a invasão à Banda Oriental, os bandeirantes nas Missões, o bombardeio de Paysandú e o assassinato de Leandro Gómez, entre muitos outros. Ainda assim, a nota do ministro prossegue como se tudo isso fosse ficção:

“O conflito do Brasil com o governo de Montevidéu foi, como se vê, um pretexto e uma ocasião que o governo paraguaio aproveitou para levar a efeito seus projetos de guerra. Os fatos relatados iluminam claramente o plano há muito premeditado por aquele governo e o objetivo a que se dirige; mas há outra prova não menos significativa de suas intenções maléficas. Essa prova é a expedição militar que enviou ao território do Mato Grosso, contando com a vantagem da surpresa naquela remota província brasileira, agora vítima da devastação e das atrocidades praticadas por seus invasores.”

Por fim, a nota busca eximir o Império de responsabilidade na futura guerra planejada contra o Paraguai:

_“Em vista de tantos e tão graves atos de provocação, a responsabilidade pela guerra entre o Brasil e a República do Paraguai recairá exclusivamente sobre o governo da Assunção. O governo imperial repelirá com força seu agressor, mas, salvaguardando a dignidade do Império e seus direitos legítimos, não confundirá a nação paraguaia com o governo que a expõe aos riscos de uma guerra injusta, e saberá manter-se, como beligerante, dentro dos limites estabelecidos por sua própria civilização e seus compromissos internacionais.

O abaixo assinado tem a honra de renovar ao Sr. Dr. D. Rufino de Elizalde as manifestações de sua mais alta consideração.

José Maria da Silva Paranhos”_

Fontes: