A Oração a São Miguel: Um Texto “Falsificado”?

UMA HISTÓRIA que periodicamente ressurge nos círculos tradicionalistas alega que a Oração a São Miguel...

Postado pela Ação Restauracionista em 2025-05-10 14:40:00

A Oração a São Miguel: Um Texto “Falsificado”?

UMA HISTÓRIA que periodicamente ressurge nos círculos tradicionalistas alega que a Oração a São Miguel, rezada após a Missa tradicional em muitos lugares como parte das Orações Leoninas, é uma versão “falsificada” de uma oração mais longa escrita por Leão XIII. A oração mais longa, segundo a história, advertia que infiltrados judaico-maçônicos alcançariam seu objetivo de longa data de usurpar a cátedra papal; por esta razão, conspiradores a “censuraram” duas vezes após a morte de Leão. (Ver Gary Giuffré, “Exile of the Pope-Elect, Part VII: Warnings from Heaven Suppressed,” Sangre de Cristo Newsnotes 69–70 [1991], 4–7)

Este é o tipo de história suculenta que certos tipos no cenário católico tradicional realmente adoram promover. Incorpora alguns elementos familiares: revelações privadas, infiltrados, documentos alterados, um pontífice enganado e profecias de um intruso maligno sentado na Cátedra de Pedro. Para aqueles que entendem como os inimigos da Igreja operam, partes do relato podem soar plausíveis à primeira vista. Também (como os resenhistas de livros adoram dizer) rende “uma leitura divertida e empolgante”.

Infelizmente, é o tipo de teoria da conspiração que expõe os católicos tradicionais ao ridículo — porque quando se examina de perto os fatos apresentados como “prova” para uma conspiração, descobre-se que os criadores da história conseguiram errar em praticamente tudo.

DUAS ORAÇÕES: 1886 E 1888

Os promotores da teoria do texto falsificado começam com um erro absolutamente fatal. O texto latino da Oração a São Miguel que todos conhecemos tão bem foi publicado em 1886. (Ver Irish Ecclesiastical Review 7 [1886], 1050.)

O texto que eles afirmam ser a origem da nossa Oração a São Miguel, no entanto, de fato apareceu dois anos depois, quando, em 25 de setembro de 1888, o Papa Leão XIII aprovou uma oração a São Miguel Arcanjo e concedeu uma indulgência de 300 dias por sua recitação. (Para o texto italiano, ver Enchiridion Indulgentiarum [Vaticano: 1950)], 446.) Este texto era, na verdade, uma oração completamente nova.

Assim como o texto de 1886, a oração de 1888 também invoca o auxílio de São Miguel em nossa guerra contra o demônio. Mas é um texto muito longo, repleto de linha após linha de imagens vívidas e impressionantes sobre o demônio e seus sequazes.

A oração descreve o demônio como aquele que derrama sobre “homens de mente depravada e coração corrupto, o espírito da mentira, da impiedade, da blasfêmia e o hálito pestilento da impureza, e de todo vício e iniquidade.” Sobre estes servos de Satanás, a oração acrescenta:

“Estes inimigos astutíssimos encheram e embriagaram com fel e amargura a Igreja, esposa do Cordeiro Imaculado, e lançaram mãos ímpias sobre seus bens mais sagrados.”

A oração então expande esta descrição com o seguinte:

No próprio Lugar Santo, onde foi estabelecida a Sé do santíssimo Pedro e a Cátedra da Verdade para a luz do mundo, eles ergueram o trono da abominável impiedade, com o desígnio iníquo de que, uma vez ferido o Pastor, as ovelhas possam ser dispersas. (trad. A. St. John, Raccolta, 11ª ed, [Londres: 1930] 407.)

Essas duas passagens, desnecessário dizer, são aquelas que os teóricos do texto censurado afirmam “prever” os efeitos do Vaticano II.

Após sua aprovação, o texto de 1888 foi, em algum momento, incluído no The Raccolta (a coleção oficial de orações indulgenciadas da Igreja).

O EXORCISMO DE 1890 CONTRA SATANÁS

Numa audiência dois anos depois, além disso, Leão XIII aprovou um novo e longo “Exorcismo contra Satanás e os Anjos Apóstatas”, destinado a ser usado por bispos e por padres que recebessem permissão especial de seus ordinários. (Ver SCPF, ex aud. SSmi., 18 de maio de 1890, AAS 23 [1890–91], 747.)

Este rito empregava a oração de 1888 a São Miguel, incluindo as duas passagens citadas acima, como uma espécie de prefácio a uma série de orações de exorcismo. (Ver SCPF “Exorcismus…, AAS 23 [1890–91], 743–4.) O rito foi então incorporado ao Apêndice do Ritual Romano (o livro contendo os textos oficiais para ritos sacramentais e várias bênçãos) entre as bênçãos mais recentes (novissimae). (Ver Rituale Romanum, 6ª ed. [Ratisbona: 1898], 163*ss.)

OMISSÕES SUBSEQUENTES

Edições posteriores do The Raccolta omitiram a conclusão da oração de 1888, começando com a passagem que falava do “trono da abominável impiedade” erguido onde se encontrava a Sé de Pedro.

Edições posteriores do Ritual Romano foram ainda mais longe: omitiram não apenas essa passagem, mas também aquela que se refere aos que lançaram mãos ímpias sobre os bens mais sagrados da Igreja. Outras passagens também foram excluídas, restando apenas cerca de um terço do texto de 1888. (Ver o Apêndice abaixo.)

A “CONSPIRAÇÃO” EXPLICADA

Agora, tendo identificado erroneamente uma oração de 1888 como antecedente de uma oração de 1886, os proponentes da teoria do texto censurado sustentam que infiltrados anônimos no Vaticano, temendo a exposição de seu complô para tomar o controle da Sé de Pedro, sorrateiramente excluíram essas passagens do Raccolta e do Ritual após a morte de Leão.

Tudo isso é um disparate.

(1) Papa Morto? Papa Vivo! As passagens não foram removidas após a morte de Leão XIII. Elas já haviam sido suprimidas em 1902 — um ano e meio antes da morte do pontífice.

(2) Autor Misterioso? Um Documento Público! Esta supressão não foi, como nos dizem, uma “falsificação ambígua” perpetrada “misteriosamente” por algum “funcionário anônimo do Vaticano”.

A Sagrada Congregação dos Ritos, em consulta com a Congregação para as Indulgências, revisou a oração de 1888 e publicou uma nova edição. Esta foi impressa em 1902, ostentando o selo do Prefeito da Congregação, Cardeal Ferrata, e a assinatura do Secretário da Congregação, Arcebispo D. Panici, e sua certificação de que “concorda com o original”. (Ver material suplementar encadernado no final do Pustet Rituale Romanum, 6ª ed., [1898].)

(3) O Futuro? O Passado! As passagens em questão, por favor, note, não foram escritas no tempo futuro, como se esperaria de uma profecia. Foram escritas no tempo passado e, portanto, referiam-se a eventos que já haviam ocorrido em 1888.

(4) Inimigos Astutos? Revolucionários! A quem, então, as passagens se referem? Basta olhar para a situação que o Papa enfrentava na Itália no final da década de 1880.

Os “inimigos astutos” da Igreja que “lançaram mãos ímpias sobre seus bens mais sagrados” não eram outros senão os revolucionários que (como vimos acima) invadiram os Estados Papais e espoliaram as propriedades da Igreja.

(5) Trono da Impiedade? O Rei da Itália! E o “trono da abominável impiedade” erguido “no próprio Lugar Santo, onde foi estabelecida a Sé do santíssimo Pedro e a Cátedra da verdade para a luz do mundo”? Este era o trono do Rei da Itália, instalado no Palácio Quirinal.

Antes de sua tomada em 1870 pelo excomungado Rei da Itália, Vítor Emanuel, o Quirinal era o principal palácio papal em Roma. Era o local habitual para os conclaves papais. Era também um dos lugares onde o papa havia realizado audiências, sentado, é claro, num trono — a “Cátedra da verdade para a luz do mundo”.

Quando a oração de 1888 foi composta, o trono de um monarca usurpador e excomungado então se encontrava neste palácio que havia sido roubado do papa. Portanto — trono da impiedade!

(6) Textos Alterados? Política Alterada! Por que, finalmente, os textos foram alterados no final do reinado de Leão? Novamente, olhamos para a situação histórica.

Em 1902, Leão XIII vinha mantendo negociações secretas por anos com o novo Rei, Humberto. O Rei, em certo momento, pareceu disposto a devolver uma parte substancial da cidade de Roma ao controle do Papa — uma proposta que poderia ter enfurecido o Parlamento o suficiente para pedir a deposição do Rei. (Ver E. Jarry, “Les États Pontificaux,” Tu es Petrus [Paris: 1934)] 610) Se Humberto tivesse feito uma concessão tão arriscada, ele teria esperado (e recebido) o reconhecimento oficial de seu status pelo Papa. (Isso finalmente ocorreu com o Tratado de Latrão em 1929)

Referências adicionais ao Rei no Ritual da Igreja como ocupando “um trono de abominável impiedade”, desnecessário dizer, estariam em desacordo com o reconhecimento papal da legitimidade do Rei.

A oração também ligava o estabelecimento do trono do Rei ao demônio, que derrama sobre “homens de mente depravada e coração corrupto, o espírito da mentira, da impiedade, da blasfêmia e o hálito pestilento da impureza, e de todo vício e iniquidade”. Como o Rei dava sinais de querer fazer as pazes, provavelmente pareceu apropriado alterar a oração.




RESUMINDO, então: A longa oração a São Miguel de 1888 foi composta depois do aparecimento da oração a São Miguel nas Orações Leoninas. As passagens no texto de 1888 que são supostamente “proféticas” referem-se, na verdade, às ações passadas do governo italiano, incluindo a tomada de propriedades da Igreja. O “trono da impiedade” era aquele que o excomungado Rei Vítor Emanuel havia instalado no “lugar santo” — o Palácio Quirinal, onde anteriormente se encontrava o trono do papa.

Uma vez que o Rei da Itália pareceu disposto a chegar a um acordo sobre a Questão Romana — a disputa sobre a disposição das propriedades da Igreja confiscadas — o Vaticano retirou da oração as passagens que ele e o governo italiano teriam considerado ofensivas.

Portanto, embora na história da Igreja possamos de fato encontrar instâncias reais de conspirações e textos falsificados, o caso da Oração a São Miguel não é um deles.

Cuidado com a história suculenta demais!




APÊNDICE

“Oração a São Miguel do Exorcismo contra Satanás e os Anjos Apóstatas (Aprovada em 18 de maio de 1890.)”

NOTA: Em 1902, a Congregação dos Ritos emitiu um decreto aprovando uma nova versão da oração. As passagens indicadas em negrito abaixo foram removidas.

Ó GLORIOSO ARCANJO São Miguel, Príncipe da milícia celeste, defendei-nos na batalha, e na luta que é nossa contra os principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos nos lugares altos. (Ef 6.) Vinde em auxílio dos homens, que Deus criou imortais, feitos à sua imagem e semelhança, e redimidos a grande preço da tirania do demônio. (Sab 2, 1 Cor 6.)

Combatei neste dia a batalha do Senhor, juntamente com os santos anjos, como já combatestes o chefe dos anjos orgulhosos, Lúcifer, e sua hoste apóstata, que foram impotentes para vos resistir, nem houve mais lugar para eles no Céu. Mas aquela cruel, aquela antiga serpente, que é chamada o demônio ou Satanás, que seduz o mundo inteiro, foi lançada no abismo com todos os seus anjos. (Apoc 12.)

Eis que este inimigo primordial e matador do homem tomou coragem. Transformado em anjo de luz, vagueia com toda a multidão de espíritos malignos, invadindo a terra para apagar o nome de Deus e de seu Cristo, para se apoderar, matar e lançar na perdição eterna as almas destinadas à coroa da glória eterna. Este dragão perverso derrama, como uma torrente impuríssima, o veneno de sua malícia sobre homens de mente depravada e coração corrupto, o espírito da mentira, da impiedade, da blasfêmia, e o hálito pestilento da impureza, e de todo vício e iniquidade.

Estes inimigos astutíssimos encheram e embriagaram com fel e amargura a Igreja, esposa do Cordeiro Imaculado, e lançaram mãos ímpias sobre seus bens mais sagrados.

No próprio Lugar Santo, onde foi estabelecida a Sé do santíssimo Pedro e a Cátedra da Verdade para a luz do mundo, eles ergueram o trono de sua abominável impiedade, com o desígnio iníquo de que, uma vez ferido o Pastor, as ovelhas possam ser dispersas.

Levantai-vos, pois, ó príncipe invencível, trazei auxílio contra os ataques dos espíritos perdidos ao povo de Deus, e trazei-lhes a vitória. A Igreja vos venera como protetor e patrono; em vós a santa Igreja se gloria como sua defesa contra os poderes maliciosos deste mundo e do inferno;** a vós Deus confiou as almas dos homens para serem estabelecidas na bem-aventurança celestial.

Oh, rogai ao Deus da paz que Ele ponha Satanás sob nossos pés, tão vencido que não possa mais manter os homens em cativeiro e prejudicar a Igreja. Oferecei nossas orações à vista do Altíssimo, para que rapidamente conciliem as misericórdias do Senhor; e, esmagando o dragão, a antiga serpente, que é o demônio e Satanás, tornai-o novamente cativo no abismo, para que não mais seduza as nações.




BIBLIOGRAFIA

ENCHIRIDION INDULGENTIARUM: PRECES ET PIA OPERA OMNIUM CHRISTIFIDELIUM. Vaticano: Tipografia Poliglota 1950.

GIUFFRÉ, GARY. “Exile of the Pope-Elect, Part VII: Warnings from Heaven Suppressed,” Sangre de Cristo Newsnotes 69–70 (1991). 3–11.

JARRY, E. “Les États Pontificaux.” Em Tu es Petrus: Encyclopédie Populaire sur la Papauté, editado por G. Jacquemet. Paris: Bloud 1934. 551–617.

PARSONS, WILFRED SJ. The Pope and Italy. Nova York: America Press 1929.

RITUALE ROMANUM. 6ª edição post typicam. Ratisbona: Pustet 1898.

SACRORUM RITUUM CONGREGATIO [S.R.C.]. Decreto Iam Inde ab Anno, 6 de janeiro de 1884, Acta Sanctae Sedis 16 (1884). 249–250. _______________. Decreto Mechlin., 31 de agosto de 1867, 3157, em Decreta Authentica. _______________. Decreta Authentica Congregationis Sacrorum Rituum. Roma: Tipografia Poliglota 1898.

S.C. DE PROPAGANDA FIDE. Ex audientia Sanctissimi 18 de maio de 1890, Acta Sanctae Sedis 23 (1890–91). 747.

_______________. “Exorcismus in satanam et angelos apostaticos iussu Leonis XIII P.M. editus,” Acta Sanctae Sedis 23 (1890–91). 743–746.

SCHNÜRER, GUSTAV. “States of the Church.” The Catholic Encyclopedia, editado por Charles G. Habermann et al. Nova York: Enylopedia Press 1912. 14:257–268.

ST. JOHN, AMBROSE [tradutor]. The Raccolta or Collection of Indulgenced Prayers and Good Works. 11ª edição. Londres: Burns Oates 1930.

O exposto foi adaptado de material de outro artigo mais longo, “Rússia e as Orações Leoninas”, que apareceu originalmente em Sacerdotium 5, (Outono de 1992).

Escrito pelo Rev. Anthony Cekada. Publicado na segunda-feira, 12 de novembro de 2007, às 18h58.

Artigo Original