Agostinho: Exposição sobre o Salmo 37

Que os emprestadores de dinheiro à usura [agiotas], contudo, não se regozijem.

Agostinho: Exposição sobre o Salmo 37

Fonte: Santo Agostinho: Exposição sobre o Livro dos Salmos (Série Padres Nicenos e Pós-Nicenos)

“Ele é sempre misericordioso e empresta” (v. 26). “Fœneratur” é usado em latim, de fato, tanto para aquele que empresta quanto para aquele que toma emprestado. Mas nesta passagem o significado é mais claro, se o expressarmos por “fœnerat”. Que nos importa o que os gramáticos decidem estabelecer? Seria melhor para nós cometer um barbarismo, para que vós compreendais, do que, em nossa correção de linguagem, vós sejais deixados desprovidos. Portanto, aquele “homem justo é todo o dia misericordioso e (fœnerat) empresta.”

Que os emprestadores de dinheiro à usura [agiotas], contudo, não se regozijem. Pois descobrimos que se fala de um tipo particular de emprestador, assim como era um tipo particular de pão; para que possamos, em todas as passagens, “remover o telhado” e encontrar nosso caminho até Cristo. Eu não gostaria que fôsseis agiotas; e não gostaria que o fôsseis por esta razão, porque Deus não quer que o sejais… De onde se conclui que Deus não o quer assim? É dito em outro lugar: “Aquele que não dá o seu dinheiro à usura.”⁹⁰⁷ E quão detestável, odiosa e execrável coisa é, creio que até os próprios usurários sabem.

Por outro lado, eu mesmo, ou melhor, nosso próprio Deus te ordena que sejas um usurário, e te diz: “Empresta a Deus.” Se emprestas ao homem, tens esperança? E não terás esperança, se emprestas a Deus? Se emprestaste teu dinheiro à usura a um homem, isto é, se deste teu dinheiro emprestado a alguém, de quem esperas receber algo mais do que deste, não apenas em dinheiro, mas qualquer coisa, seja trigo, ou vinho, ou azeite, ou o que quer que seja, se esperas receber mais do que deste, és um usurário, e neste particular não és digno de louvor, mas de censura.

“O que então,” dizes tu, “devo fazer, para que eu possa ‘emprestar’ com lucro?” Considera o que o usurário faz. Ele indubitavelmente deseja dar uma quantia menor e receber uma maior; faze tu isso também; dá tu pouco, recebe muito. Vê como teu principal cresce e aumenta! Dá “coisas temporais,” recebe “coisas eternas”: dá a terra, recebe o céu! E talvez tu perguntes: “A quem as darei?” O mesmíssimo Senhor, que te ordenou não emprestar à usura, apresenta-Se como a Pessoa a quem tu deverias emprestar à usura! Ouve da Escritura de que maneira podes “emprestar ao Senhor.” “Aquele que tem piedade do pobre, empresta ao Senhor.”⁹⁰⁸

Pois o Senhor não necessita de nada de ti. Mas tu tens alguém que necessita de algo de ti: tu lho estendes; ele o recebe. Pois o pobre nada tem para te retribuir e, no entanto, ele próprio gostaria de te recompensar, mas nada encontra com que o fazer: tudo o que resta em seu poder é a boa vontade que deseja orar por ti. Ora, quando o pobre ora por ti, ele, por assim dizer, diz a Deus: “Senhor, tomei isto emprestado; sê Tu meu fiador.” Então, embora não tenhas nenhum vínculo sobre o pobre para compelir seu pagamento, ainda assim tens um fiador responsável.

Vê, Deus, de Suas próprias Escrituras, te diz: “Dá, e não temas; Eu retribuo. É a Mim que tu o dás.” De que maneira aqueles que se fazem fiadores por outros se expressam? O que é que eles dizem? “Eu pago: assumo a responsabilidade. É a mim que estás dando.” Supomos então que Deus também diz isto: “Tomo sobre Mim. É a mim que tu o dás”?

Certamente, se Cristo é Deus, do que não há dúvida, Ele mesmo disse: “Tive fome, e destes-me de comer.”⁹⁰⁹ E quando eles Lhe disseram: “Quando te vimos faminto?”⁹¹⁰ para que Ele Se mostrasse ser o Fiador pelos pobres, que Ele responde por todos os Seus membros, que Ele é a Cabeça, eles os membros, e que quando os membros recebem, a Cabeça também recebe; Ele diz: “Sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”⁹¹¹

Vem, tu, usurário cobiçoso, considera o que deste; considera o que hás de receber. Se tivesses dado uma pequena soma de dinheiro, e aquele a quem a tivesses dado te fosse dar, por essa pequena soma, uma grande vila, valendo incomparavelmente mais dinheiro do que tinhas dado, quão grandes graças renderias, com quão grande alegria serias transportado! Ouve que possessão Aquele a quem tens emprestado concede. “Vinde, benditos de meu Pai, recebei” ⁹¹² — O quê? O mesmo que deram? Deus nos livre! O que deste foram coisas terrenas, as quais, se não as tivesses dado, teriam se corrompido na terra. Pois o que poderias ter feito delas, se não as tivesses dado? Aquilo que na terra teria sido perdido, foi preservado no céu. Portanto, o que havemos de receber é aquilo que foi preservado. É teu mérito que foi preservado, teu mérito foi feito teu tesouro. Pois considera o que é que hás de receber. Recebe — “o reino preparado para vós desde a fundação do mundo.”

Por outro lado, qual será a sentença daqueles que não quiseram “emprestar”? “Ide vós para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.”⁹¹³ E como se chama o reino que recebemos? Considera o que se segue: “E irão estes para o suplício eterno; mas os justos para a vida eterna.”⁹¹⁴ Obtém juros por isto; adquire isto. Empresta teu dinheiro à usura para ganhar isto. Tens Cristo entronizado no céu, mendigando na terra. Descobrimos de que maneira o justo empresta. “Ele é sempre misericordioso e empresta.”

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