Tirania e Tiranicídio
Por Padre Olivier Rioult
retirado de: lasapiniere.info
Tradução: Ação Restauracionista
***
O que quer significar e quem é um tirano? Temos o direito de lhe desobedecer? Para responder estas questões, precisamos, primeiro, entender algumas distinções históricas.
O termo “tirano” não gozava, na Grécia antiga, do mesmo significado negativo que tem hoje. À época não fazia-se distinção entre tirano e rei. Isto surge no século IV a.C., aí o substantivo tirano torna-se um adjetivo pejorativo, passa a significar um rei mau, que busca e preza pelos próprios interesses, invés de buscar o bem geral de seus súditos.
Tirano, para os Padres da Igreja, corresponde a alguém que exerce seu poder contra a justiça, quando à frente da sociedade, e oprime os seus súditos e os trata como escravos. O Papa São Gregório Magno definiu tirano como alguém que governa sem lei, ou então contra ela.
Como fim último, o governo precisa ordenar a sociedade civil tendo como fim a salvação das almas. Se falha nisso, perde não apenas o direito de comandar, mas também a razão de existir. Por isso temos que, mesmo que legal, o governo que trabalha com outro fim que não este, não é legítimo.
1. A LEGITIMIDADE DO PODER
Como, então, podemos, de forma concreta, atestar que um governo é ilegítimo?
“Todo poder vem de Deus” (Rm XIII, I). Sobre o poder, quando dizemos que Deus o dá, como observa Suarez, não é no sentido de uma intervenção especial, distinta da criação. O poder vem de Deus, pois é ele o criador da natureza e sustentáculo da realidade, e a necessidade do poder é uma das consequências da natureza humana. Ou seja, o governo não é a fonte da autoridade, mas apenas o seu depositário, e este depósito deve vir do povo, que transmite ao governante, a quem ele escolhe ou aceita. O governante manterá, então, seu poder, dado por Deus, através do povo. Este é o ensinamento comum da Igreja Católica, através de diversos santos e doutores.
A soberania, portanto, pertence, de forma concreta, àquele que é o mais capaz. E, neste caso, “o governante bom e legítimo é aquele que faz o que é preciso, tendo em vista o bem comum, que é a salvação das almas” – Charles Maurras, Enquête sur la monarchie. Em última instância, se um poder cumpre sua missão, visando o bem comum, não importa se este é fruto de golpe.
O critério “máximo”, segundo o Papa Leão XIII, para que se pudesse julgar a legitimidade de um governo deve sempre ser “o bem comum e a paz pública”. Assim, se um usurpador cumpre esta função, chegará o momento em que seu governo se tornará legítimo, pois nada do que é humano é eterno, e a vacância da autoridade não pode durar para sempre.
Quanto tempo se leva para conseguir essa legitimação do poder? Neste ponto, que é puramente prático, a Igreja abstém-se de pronunciar-se em seu ensinamento oficial, pois seu papel não é transformar governos de fato em governos de jure, mas satisfaz-se com a observância da legitimação efetuada.
2. A PERDA DA LEGITIMIDADE
Se um governo, inicialmente ilegítimo, pode, posteriormente, tornar-se legítimo, o inverso também é possível; um governo que, inicialmente é legítimo, corrompe-se, devido ao mal que faz, e torna-se ilegítimo.
Somente quem governa tendo em vista o verdadeiro bem comum é que tem o verdadeiro e absoluto direito de governar, deste modo, implicando aos súditos e cidadãos o dever da obediência ao governante. É isto o que Nosso Senhor nos ensina, com suas palavras “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. A mesma doutrina ensina São Paulo aos Apóstolos: “Toda alma esteja sujeita à autoridades superiores; pois não há autoridade que não venha de Deus. E as que existem foram instituídas por Ele. Portanto, quem resiste à autoridade, resiste à ordem que Deus estabeleceu (...).” (Rm XIII, I-V). E é também o ensinamento do Papa Pio IX, no Syllabus: “É permitido recusar obediência aos príncipes legítimos e até revoltar-se contra eles” (Prop. 63) e o Papa Leão XIII, por sua vez, declarou que “Não é permitido desprezar o poder legítimo” (Immortale Dei)
Todas estas autoridades, porém, tratam exclusivamente do poder legítimo. Um governo, contudo, pode ser legal, segundo uma constituição, mas sem ser legítimo, por ser injusto e/ou tirânico.
O poder tirânico perde, portanto, a sua legitimidade, pois abusa do poder e governa em favor de um número pequeno ou em benefício próprio, invés do bem comum.; na verdade, este governante tirânico até contradiz a autoridade que Deus lhe deu, e que o povo lhe confiou. A nação tem, portanto, o direito de se opor, depor e expulsar o poder ilegítimo. Mas, para chegar a este ponto, o abuso não deve apenar ser grave, mas deve também ser permanente e universal. Um excesso ou má lei apenas isentam os súditos da obediência nestes pontos específicos, mas não tiram a legitimidade do governante, se, de modo geral, este continuou a cumprir sua missão.
3. DIREITO DE RESISTIR AO PODER ILEGÍTIMO
O que fazer então, de forma concreta, contra um poder ilegítimo?
O direito à revolta, na Idade Média, estava assegurado: se o príncipe não cumprisse as obrigações a que estava comprometido por juramento, os súditos tinham o direito de se levantarem, mesmo que em armas. O Doutor Angélico, numa passagem do “De regimine politiae”, afirma que, no caso de se poder ter outro governante, a multidão pode, sem injustiça, afastar o governante atual ou restringir seu poder, caso ele abuse tiranicamente do seu poder
A soberania no poder não é ilimitada. Quando, então, a autoridade governante abdica do seu papel de “ministra de Deus para o bem”, então a obediência cessa de ser um dever dos cidadãos. Por conseguinte, os súditos têm o direito de resistir-lhes.
Mas até onde vai esta resistência?
A. RESISTÊNCIA PASSIVA
Consiste em negar-se a obedecer às tirânicas ordens do governante, ou as prescrições de uma lei que é injusta. Se as ordens dadas pelas leis humanas vão contra as leis divinas, então este governo atua contra o direito, tanto natural, quanto sobrenatural de Deus, e a sagrada escritura nos lembra que “É melhor obedecer a Deus que os homens” (At. IV, 20). Esta atitude é sempre permitida e, em alguns casos, é obrigatória, se a lei humana vai contra as prescrições de Deus1.
B. RESISTÊNCIA ATIVA LEGAL
Consiste em buscar a revogação dos decretos injustos ou exercer reformas essenciais, e, se necessário, até mesmo uma mudança do governante, por qualquer motivo que seja.
C. RESISTÊNCIA ATIVA ILEGAL
Consiste em usar, contra os governantes, todos os meios de oposição, ainda que seja por armas, para trazê-los de volta do erro ou para se oporem a execução das ordens injustas – greve, sonegar impostos, sabotagem, emigração, desobediência civil, etc. A tradição escolástica reconhece, quase que de forma unânime, que esse direito de resistência pode se tornar direito de revolta. O Cardeal Zigliara escreveu: “É certo que tem-se o direito de resistir passivamente, isto é, de não obedecer a leis tirânicas (...) O próprio direito que os súditos possuem de não obedecer ao poder legislativo tirânico lhes permite resistir à violência do poder do governo (...)” Summa philosophica t. III. 3a éd., Lyon, 1882m p.266-267.
D. INSURREIÇÃO
Consiste no direito de autodefesa dos súditos contra o governante tirano no poder. Por isto, o conselho provincial de Mechelan, em 1937, declarou que “É somente num caso extraordinário, quando o governante infringe direta e abertamente os direitos, seja dos cidadãos ou da Igreja, que os cidadãos possam se recusar a obedecer a leis injustas; é, então permitido resistir ativamente, e com violência, se necessário e proporcional à gravidade dos direitos atacados”. (Actes et décretes, Louvain, 1938, n. 22, p. 17)
Os limites entre a sedição injusta e a insurreição justa são difíceis de definir em teoria, porque estas situações dependem de mil fatores práticos, Especialmente quando se tratar de uma revolta armada. Historicamente, podemos citar várias insurreições justas: a união do Liga Santa do Mediterrâneo, que foi um magnífico movimento nacional de indignação contra a traição dos políticos favoráveis aos Huguenotes, protestantes franceses, que estavam em processo de desmantelamento e espoliação da França católica para o benefício de suas ambições heréticas. A revolta da Vendéia, em 1793, contra o A Convenção foi uma insurreição armada legítima contra a usurpação e agressão injustas. Também a insurreição dos Cristeros contra o poder maçônico no México, em 1926. Os irlandeses também se rebelaram contra a poderosa Inglaterra, em 1920. Assim como os generais espanhóis, em 1936, contra o poder dos republicanos revolucionários, ou do general Denikin e do Exércitos brancos (1918-1920) contra o poder judaico-bolchevique.
Quando, portanto, a tirania é habitual, e não transitória; ameaça seriamente os fundamentos da nação e confrontados com a impossibilidade de recorrer a outros meios, com uma séria probabilidade de sucesso, o levante armado não é mais sedição. (Magnin, O Létar, conception païenne, conception chrétienne, Paris, 1931, p. 127) Mas “muitas vezes, esta maneira de fazer as coisas tem como resultado males piores que a própria tirania...”. É por isso que muitos os autores acreditam que é “melhor suportar a opressão e voltar-se para Deus”. » (Biluart, OP (1685- 1757), Summa sancti Thomæ, dissert. X, a. 2, Paris, 1877, t. IV, pág. 212 e segs.)
4. O TIRANO
Nesta questão, distinguimos entre o “usurpador tirano” que é apenas um agressor injusto do poder legítimo e o “governante tirano”, que, embora soberano legítimo, abusa de sua autoridade oprimindo os súditos, seja para seu próprio benefício ou para o benefício de um círculo, sem levar em conta o bem comum, pelo qual ele é responsável.
A. O USURPADOR TIRANO
O “usurpador tirano” ocupa o lugar do líder, mas na realidade é apenas a sombra. Neste caso a nação pode resistir, mesmo pela violência, a este governo; alguns chegam ao ponto de dizer que o usurpador poderia, em certas circunstâncias, ser legitimamente expulso ou morto, como um agressor injusto. Diz Suarez: “Se for um tirano usurpando o poder, toda nação e qualquer um dos seus membros têm direitos contra ele. A razão é que este tirano é um agressor que empreende guerra injustamente contra a nação e cada um dos seus membros. É por isso que todos, ao fazerem isso, estão em estado de legítima defesa.” (Disp. XIII, De bello, sec. VIII, § 2e)
Tem-se, portanto, que o usurpador não goza de direitos, e pode receber a pena capital.
Contudo, como vimos, pode haver casos em que, após um certo período de tempo, a nação de fato abandona o soberano legítimo. Mas como não podemos manter a sociedade eternamente em suspense, a tranquilidade pública às vezes exige que admitamos uma espécie de prescrição em matéria de direito político... A Igreja, diante desses poderes estabelecidos e ainda não legitimados, prega a subordinação em tudo o que não seja contrário à consciência e seja exigido pelo interesse geral. Quanto a súditos, embora observando fielmente a obediência, devem abster-se de atos que envolvam reconhecimento do usurpador como autoridade legítima. Foi assim que Gregório XVI, na sua carta apostólica, publicada em 7 de agosto de 1831, um dia após a Revolução de Julho, referindo-se a uma constituição de Clemente V, ratificada por João XXII, Pio II, Sisto IV e Clemente XI, recordava que, no pensamento da Igreja, “um reconhecimento daqueles que governam o meio público por seus próprios meios” não implica a atribuição, aprovação ou aquisição de quaisquer direitos a seu favor, e “que nenhum prejuízo pode ou deve ser considerado aos direitos, privilégios e patrocínios de outros.”
B. O GOVERNADOR TIRANO
O caso do “governante tirano” é muito mais frequente do que o do usurpador. E os teólogos e doutores, sobre este caso, são mais divididos.
Todos concordam na resistência às leis injustas de tal tirano, uma vez que as prescrições em em desacordo com os princípios da razão correta e os interesses do bem público “não têm força de direito”, diz Leão XIII. E se as prescrições do tirano violassem “os deveres impostos pela religião, existe a obrigação de resistir, e de obedecer seria crime.” (Leão XIII, Sapientiæ christianæ, 10 Janeiro de 1890) Mas as opiniões divergem quando se trata de resistência à autoridade tirânica e sobre a destino que pode ser reservado para ele.
Dizem alguns que devemos suportar com paciência; outros, que devemos reagir com violência.
Na verdade, estas duas tendências são muitas vezes explicadas pelas circunstâncias em que escreveram os teólogos. Alguns, especialmente na Idade Média, tinham como principal preocupação colocar um freio ao absolutismo real e aos abusos das tiranias locais, que oprimiam as cidades desde então. Enquanto os modernos se propuseram a tarefa de combater a subversão e tendências revolucionárias da época, estabelecendo limites aos caprichos populares e aos abusos de liberdade. Estas preocupações encontram-se nos atos do magistério, muitas vezes escritos ocasionais. Assim, por um lado, a preocupação de colocar limites aos direitos da autoridade, restringindo absolutismo; por outro, a preocupação em não dar rédea solta aos caprichos populares.
É por isso que Bossuet, favorecido por Luís XIV, se opôs à doutrina de João de Salisbury (1110-1180), que se manifestou contra o despotismo dos príncipes, e que era amigo de São Tomás da Cantuária. É por isso que Santo Afonso de Ligório, no século XVIII (época em que reinava o liberalismo e o ceticismo dos filósofos que desencadeariam a iníqua Revolução Francesa) se opôs ao Chanceler Jean Gerson, um teólogo do século XV, período de fé católica entre as elites e a nobreza.
Notemos também que, quanto mais a fé católica desaparecia entre as elites e a nobreza, mais o corpo social era vítima de abuso. Muitas vezes, apenas o poder da Igreja era capaz de conter o poder ilimitado do Estado, lembrando ao líder a sua função social e os seus deveres para com Deus e o povo. Mas desde que a fé morreu, desde que os Estados rejeitaram a fé católica, o absolutismo do Estado foi prontamente transformado em totalitarismo estatal...
É por isso que, face ao absolutismo cada vez mais monstruoso e totalitário dos Estados materialistas, teólogos e Papas retomaram a doutrina dos escolásticos da Idade Média. Pio XI, em 1937, será o primeiro Papa a não excluir a hipótese de uma justa rebelião contra um poder legitimamente constituído. Pio XII, na sua encíclica Summi Pontificatus, de 20 de Outubro de 1939, sublinha os perigos da deificação do Estado e “a independência da autoridade civil em relação ao Ser Supremo”, e que, conceder ao Estado direitos ilimitados sobre indivíduos e cidadãos, normalmente resultava em absolutismo.
Em regra geral, a Igreja tenta salvaguardar a ordem pública e evitar males maiores; Ela também tem horror a sangue; é por isso que mesmo em casos de opressão extrema, recomenda paciência, penitência e oração. Contudo, ela não chega ao ponto de fazer a passividade é uma regra absoluta em todos os casos e em todas as hipóteses. Em circunstâncias extremas, como sublinhou Pio XI, não proíbe a defesa, nem mesmo pela força.
Esta defesa ela poderia ir tão longe a ponto de assassinar o tirano? Esta é a última questão que nos resta examinar.
5. O TIRANICÍDIO
Apesar da oposição das circunstancial, podemos extrair da teologia católica alguns princípios. Os autores modernos têm ressoado ao ensinamento da antiga tradição escolástica, que é unânime em reconhecer, ao menos na teoria, o direito à nação de resistência, direito esse que, em casos mais extremos, leva a revolta e deposição do tirano. O grande Santo Tomás, na Suma Teológica, explica isso: “O governo tirânico é injusto, pois não é ordenado ao bem público, mas aos interesses privados e particulares do governante (...) Além disso, derrubar este regime não se trata de sedição, tirando casos onde essa derrubada ocorra com uma desordem a ponto de causar mais danos ao povo e ao país que a própria tirania do tirano. Mas é antes o tirano o sedicioso, aquele que é quem mantém sedições e discórdias às pessoas que a ele estão sujeitas, a fim de dominá-las com mais segurança.” (Suma Teológica, IIa-IIæ, q. 42, a. 2, ad 3um)
Quem é sedicioso, segundo o doutor angélico, é o tirano, ou seja, o agressor é o governante, o povo apenas usa o direito de legítima defesa, direito esse que pertence tanto aos indivíduos quanto à sociedade. Mas pode a iniciativa da sedição partir da própria sociedade? Santo Tomás completa seu pensamento, numa passagem na qual trata de remédios para a tirania, em de De regimine principum: “É melhor, se não há excesso insuportável, tolerar a tirania por certo tempo invés de opor-se ao tirano e envolver-se em vários perigos e problemas mais sérios que a tirania. Pode acontecer, na verdade, que os opositores não consigam obter certa vantagem e que, por consequência, a partir disto o tirano os reprima com mais violência. Do contrário, se alguém consegue prevalecer contra o tirano, surgem, quase sempre, dissensões seríssimas entre o povo. Após expulsar o tirano surge, quase sempre, a divisão da população em partidos, segundo a constituição do novo regime” (I. I, c. VI)
A doutrina tomista pode ser resumida da seguinte maneira: 1. um indivíduo sozinho não pode arrogar-se para si o direito de matar o tirano que tenha o poder legítimo, pois o sucessor pode ser pior que o próprio tirano; 2. caso haja uma autoridade superior, a ela cabe providenciar uma solução; 3. caso não haja tal autoridade, cabe, então, ao povo, isto é, aos que tem a confiança do povo. E teriam o direito de aplicar ao tirano a pena capital, segundo as normas gerais que regem a execução dos criminosos. (Cf. Somme Théol., ed. da Revue des Jeunes, La Justice, trad. Spicq, t. II, pág. 226-227)
São Roberto Belarmino diz que “a multidão, quando existe motivo legítimo, pode transformar a realeza em democracia ou aristocracia, como foi visto em Roma” (Disputationes de controv. Christianae fidei, I, III, C. VI §4)
Catherin, um teólogo suíço, disse: “A um tirano, que injustamente procura causar danos muito graves aos cidadãos, é permitido resistir ativamente (...). Que seja permitido a cada cidadão resistir ativamente e pela força, ao menos se isso envolver a defesa da sua vida e da integridade dos seus corpo, a um príncipe que procura causar-lhe danos obviamente injustos e graves, e impedi-lo de realizar a sua vontade, esta é a opinião quase comum dos teólogos... os cidadãos podem, portanto, ajudar uns aos outros contra a agressão injusta do rei ou seus agentes, e se unem para esse fim por meio de um tratado. Para isso, de fato, não há necessidade de poder soberano: os súditos não julgam nem depõem o soberano, mas apenas defendem a si mesmos e a seus bens. Na prática, por acidente, muitas vezes acontecerá que tal defesa resultaria em mais grandes males, e que devemos abster-nos deles.” (Philosophia moralis, ed., 1900, no. 616)
“Não há necessidade de qualquer jurisdição neste caso”, escreve um teólogo italiano. É o suficiente, ao que parece, do direito à legítima defesa, inerente tanto à sociedade como aos indivíduos. “ (S. Schiffini, Disputationes philosophiæ moralis, 1891, t. II, pág. 452)
Portanto, é falso reduzir a doutrina católica à paciência, ao recurso a Deus através da oração como única atitude possível diante de um tirano, e limitar-se à decisão do Concílio de Constança, que condenou uma proposição errada relativa ao tiranicídio2. As circunstâncias da época não permitiam uma avaliação tão precisa e motivada como gostaríamos. Além disso, a condenação conciliar não faz distinção entre o usurpador tirano e o governador tirano.
Significa, portanto, que estamos enganados quando, sem distinção, afirmamos que nunca é permitido matar um tirano. Pois, segundo a doutrina católica, um cidadão tem o direito de matar o agressor, caso isso se faça necessário para a sua proteção. Sendo assim, caso a segurança dos cidadãos e o bem comum exigisse a pena de morte do tirano, essa medida poderia ser legitimamente considerada, ainda mais quando o governo vai contra as leis da justiça e da verdade, e derruba os próprios fundamentos que constituem a autoridade. O tirano não é mais um poder legítimo, por mais que, exteriormente, ostente os sinais da legalidade de seu governo. Isto escapou a muitos teólogos, que opunham-se ao tiranicídio, cegos por este princípio de que o inferior não teria a capacidade de julgar, tampouco de condenar uma falsa autoridade superior à morte.
Merkelbach, no século XX, é quase o único a aderir fielmente a esta tradição escolástica. Eis sua resposta sobre o tiranicídio: “Não é permitido matar um príncipe que é legítimo, mas que governa tiranicamente e oprime seus súditos.” (Summa theol. moralis, 3a ed., Paris, 1939, vol. II, n°364, 5a) A razão apresentada é clássica: ninguém tem o direito, a menos que esteja investido de autoridade pública, de matar um criminoso, qualquer que seja o seu estatuto. Mas a esta proibição o nosso autor reconhece duas exceções, que toma emprestadas do passado e que legitimaria o tiranicídio: “a menos que o povo, ao estabelecer o rei, tenha reservado para si este poder de punir, ou a menos que atue em uma defesa necessária contra uma situação injusta .” Já o usurpador, que ainda não tenha legitimidade, pode ser condenado à morte. ((Merkelbach, Summa theol. moralis, 3a ed., Paris, 1939, t. II, n°364, pág. 367)
6. CONCLUSÃO
Agora imagine um homem que chegou ao poder graças à propaganda mediática nas mãos de de uma máfia supranacional com o objectivo de servir os interesses criminosos desta máfia. E que, apesar desta manipulação em massa, só consegue obter o consentimento de 1/6 da população. Que este mesmo homem, para destruir as liberdades religiosas e cívicas mais básicas, prepara um sistema de vigilância generalizada da população, e controlando todos os dados sobre a vida dos cidadãos, dados centralizados num simples chip graças ao qual o poder poderá, de forma arbitrária, excluir da vida social qualquer oponente da Nova Ordem Mundial.
Imaginemos sempre que este mesmo homem, para favorecer a máfia que o colocou no poder, defenda interesses privados e estrangeiros. Que este mesmo homem também autoriza e organiza o saque das poupanças e da aposentadoria do povo em benefício de fundos de investimento privados especializados em especulação e usura. Que este mesmo homem deixa entrar voluntária, massiva e perigosamente estrangeiros em solo nacional, a fim de substituir um povo por uma massa de indivíduos desenraizados. Que para isso favorece uma justiça frouxa para criminosos estrangeiros e brutal para criminosos nativos.
Que este mesmo homem, sob as ordens de uma minoria apátrida e cosmopolita, depois de ter usado informações falsas, baseadas em números falsificados e manipulados, decide sobre o sequestro de todo o povo, colocando-os em prisão domiciliar, impondo assim a tortura psicológica de massas comparáveis ao tratamento infligido no sistema prisional à maioria dos criminosos perigosos, levando a danos irreversíveis ao cérebro, depressão e suicídio, também mergulhando na ruína e na falência, e isto para maior benefício das multinacionais, com centenas de milhares de pessoas privadas do seu direito de trabalhar.
Imaginemos que este mesmo homem ataca não só a nação, mas também cada um dos seus membros em sua integridade corporal pela imposição de vacinas inúteis e perigosas. Que por isso, tendo declarado falsamente uma emergência sanitária, proíbe medicamentos baratos que se provaram bons ao longo de muitos anos, classificando-os indevidamente na categoria de substâncias venenosas.
Imaginemos que este mesmo homem, além de saquear as riquezas nacionais, ataca indivíduos sobrecarregando-os com encargos e impostos que podem representar até mais da metade do fruto de sua trabalho, obtido através do suor e do sangue. Que este mesmo homem favorece o roubo das gangues organizadas em grande escala no sistema social e fiscal, permitindo aos grandes banqueiros, com a ajuda de uma acordo contábil opaco, roubar discretamente bilhões de depósitos bancários e contribuições sociais.
Imaginemos que este mesmo homem ataca os cidadãos, não só nos seus corpos e nos seus bens, mas ainda em suas almas, promovendo oficial e legalmente as piores perversões tais como: mercantilização dos seres humanos, assassinato do nascituro, legalização de eutanásia, perversão de todos os tipos, união antinatural, secularismo maçônico e ideologias contrárias ao bem comum, que destroem toda a justiça e toda a verdade, e cujas práticas imorais e anti-religiosas plantam nos corações das pessoas a semente da mais radical apostasia de Deus.
Tal homem seria um tirano. E, de acordo com a doutrina católica, tal tirano não poderia ser apenas derrubado pela multidão, mas também suprimido por qualquer cidadão em estado de legítima defesa, porque a tirania seria grave, permanente e universal.
Contudo, acrescentemos como palavra final esta observação de São Tomás de Aquino: “Que se não conseguirmos encontrar qualquer ajuda humana contra o tirano, devemos recorrer ao rei de tudo, a Deus [que pode converter o coração cruel do tirano ou reduzi-lo a um estado miserável…] Mas para que o povo mereça obter este benefício de Deus, ele deve libertar-se do pecado, porque é para a punição dos pecados que os ímpios, por permissão divina, recebam poder, [já que] é dito no livro de Jó que Deus ‘faz reinar o homem hipócrita por causa dos pecados das pessoas’ (34, 30). Devemos, portanto, remover a culpa para que a praga da tirania cesse.” (De Regno, I, 6)
7. REFERÊNCIAS
Dictionnaire de Théologie Catholique, Tome Xve , 2e partie, Paris, Librairie Letouzey et Ane, 1950, art. Tyran, col. 1948-1988 et art. Tyrannicide, col. 1988-2016.
Abbé O. Rioult, Jean Bastien-Thiry, De Gaulle et le tyrannicide. Aspect moral d’un acte politique, Éditions des Cimes, 2013. 62 pages.