O MITO DO GRAAL
Há alguns anos, as Edições Fideliter, da Fraternidade São Pio X, publicaram uma obra curiosa intitulada "A Busca de Rafael", uma espécie de conto de fadas para adultos sobre o tema da Eucaristia.
Segundo seu título e conteúdo, este livro recebeu um prefácio do Professor Borella, onde esse gnóstico guénoniano, bem conhecido de nossos leitores, pôde desenvolver o tema do Graal para um público tradicional, que geralmente desconfia dessa noção pseudo-mística.
Pareceu-nos interessante reproduzir abaixo um estudo redigido por um membro de nossa Sociedade e publicado pela primeira vez na revista "Cultura-Fé-Tradição". Nossos leitores poderão assim apreciar melhor tanto o perigo próprio dessas noções esotéricas quanto a habilidade dos gnósticos em se apresentarem sob a aparência de proposições aparentemente cristãs.
O cálice que serviu a Nosso Senhor, na Santa Ceia, para realizar a primeira Consagração, teria também sido usado por mãos piedosas para recolher o Preciosíssimo Sangue que caiu da Cruz. Esta insigne relíquia é chamada de Graal. Teria sido conservada por um tempo e, depois, perdida. A Busca do Graal consiste em reencontrá-la. Esta é, no imaginário público, a essência da lenda. Como, à primeira vista, perceber algo de reprovável nisso?
Foi graças ao culto prestado pelos primeiros cristãos aos Instrumentos da Paixão que a Igreja conservou a Verdadeira Cruz, o Véu de Verônica, a Santa Túnica e o Santo Sudário. Por que o Cálice da Ceia não mereceria, antecipando sua descoberta, a mesma devoção? A lenda do Graal pode muito bem pertencer ao que se chama de "maravilhoso cristão".
Infelizmente, um exame um pouco mais atento dos poemas do Graal que a Idade Média nos legou mostra que a origem e a elaboração do mito não estão, de forma alguma, isentas de influências heterodoxas. São essas influências que tentaremos, na medida do possível, elucidar.
A primeira manifestação literária da lenda do Graal é o poema PERCEVAL, escrito por Chrétien de Troyes por volta de 1190. Aqui está o resumo desta obra magistral, que é a mais típica da grande família de poemas e romances graalianos.
Um cavaleiro morreu durante um combate desigual, vítima de sua louca temeridade. Sua viúva, dolorosa e preocupada, quer a todo custo poupar seu único filho, Perceval, de um destino semelhante. Ela o leva para um castelo perdido no fundo da floresta e o cria, longe dos homens, na ignorância sobretudo do ofício das armas.
Quando Perceval tinha cerca de vinte anos, ele encontrou um dia, em uma clareira próxima ao solar, cinco magníficos cavaleiros. O sol fazia brilhar suas armaduras e seus escudos de azul, vermelho, prata e ouro. Perceval inicia com eles uma conversa que lhe será fatal. Em poucos instantes, ele aprende tudo o que sua mãe tanto se esforçou para lhe esconder. Maravilhado pelos relatos militares que ouve, decide imediatamente se tornar cavaleiro, e ao retornar ao solar de sua mãe, faz-lhe essa declaração. Em vão, ela o suplica para não abandoná-la. Ele também quer ir à corte de Arthur, o Rei que faz os cavaleiros. E ele parte de fato. Sua mãe morrerá por causa disso.
O Rei Arthur acolhe Perceval com simpatia e o instrui na ciência cavalheiresca. E eis que uma noite, após cavalgar o dia todo com a intenção de retornar ao solar de sua mãe, que deseja rever, Perceval chega à margem de um rio. Em um barco, dois homens estão sentados, um governa, o outro pesca. O pescador indica a Perceval o caminho até o castelo onde ele será hospedado para a noite.
Ele chega lá. A ponte levadiça abaixa assim que ele se aproxima. Ele é recebido magnificamente, como se já fosse esperado. O velho castelão, vestido de púrpura, está rodeado de seus numerosos cavaleiros; mas está deitado em uma cama, pois uma antiga ferida, que nada pode curar, lhe causa um sofrimento perpétuo. Conquistado por Perceval e por seus belos modos, ele prende uma espada ao seu cinturão, mas sem lhe dizer o que espera dele.
Perceval, mal cingido de sua arma, assiste passivamente a uma estranha cerimônia na grande sala do castelo do Rei Arthur. Um primeiro servo avança portando uma lança cuja ponta sangra. Dois valetes o escoltam segurando velas acesas. Em seguida, vem uma jovem misteriosa: ela carrega um Graal, ou seja, um vaso, um "veyssel" de ouro puro, encimado por uma tampa cruciforme, cravejada de pedras preciosas e irradiando um esplendor sobrenatural. Outra donzela a segue, carregando um grande prato de prata, o talher. O cortejo atravessa lentamente a grande sala e desaparece.
Imóvel e mudo, Perceval contempla essas maravilhas. Sua mente se enche de perguntas, mas sua garganta está tão apertada que ele não tem forças para expressá-las. E aprenderemos que precisamente aí estava sua desgraça. Que o céu quisesse que ele as tivesse formulado diante do ancião vestido de púrpura, pois era isso que se esperava dele.
No entanto, nenhuma decepção aparece nos rostos, nem no do velho mestre da casa, nem no dos cavaleiros. Pelo contrário, ele é cortesmente convidado a se sentar a uma mesa decorada e servida com suntuosidade. Ele faz uma refeição e depois é conduzido ao seu quarto. Ele se deita e adormece. Pela manhã, encontra suas armas e roupas todas preparadas para a partida. Seu cavalo está selado, mas nenhum criado de estábulo aparece. Não há ninguém com quem falar naquele castelo que na noite anterior estava tão animado. A ponte levadiça se abaixa e se levanta assim que ele a atravessa. Ele está novamente cavalgando sozinho por um caminho rural.
De repente, na estrada que segue, uma camponesa aparece diante dele, uma mensageira enigmática. Ela informa a Perceval que o velho homem que pescava no rio e o velho castelão deitado na cama são uma única e mesma pessoa. É o REI PESCADOR ou REI FERIDO (isto é, machucado), que esperava mais uma vez ser curado por um novo visitante. Bastaria para isso que Perceval lhe fizesse esta simples pergunta:
"Qual é, afinal, este Graal?"
Sua ferida teria então desaparecido, uma cura que, ao mesmo tempo, traria incontáveis felicidades ao castelo e à região. Perceval cometeu o erro de, em vez de falar, se fechar em silêncio. Uma grande oportunidade lhe escapou.
Esse é o tema do "Perceval" de Chrétien de Troyes, que infelizmente morreu sem ter terminado sua obra. Ele abandona, portanto, seu herói na estrada da aventura no momento em que a enigmática mensageira acaba de se evaporar. Mas o cenário está montado, os personagens principais começaram a ação, o estilo e a atmosfera foram criados. Resta apenas continuar a edificação do mito respeitando o mesmo simbolismo.
Vários contadores continuaram a obra inacabada de Chrétien de Troyes. Eles acrescentaram, conforme seus próprios espíritos, episódios que parecem bastante discordantes à primeira vista, mas que respeitam notavelmente o tema inicial.
O mais notável dos continuadores de Chrétien de Troyes é, por unanimidade, Robert de Boron. Devemos a ele dois poemas: a "HISTÓRIA DO GRAAL" e a "BUSCA". Ele foi seguido por Gaucher de Denain, depois por Manessier e, finalmente, por Gerbert de Montreuil. Todos os quatro levaram os poemas do Graal a um total de mais de sessenta mil versos.
Mas também foram escritas "continuações" em prosa. Aqui estão os títulos dos principais romances: "História do Graal", "História de Merlin", "O Livro de Lancelot do Lago", "A Busca do Santo Graal", "A Morte de Artur".
Todas essas obras surgiram, com muito pouca diferença de anos, no final do século XII e início do século XIII. Todas são de autores franceses.
Mas um contador alemão, Wolfram von Eschenbach, escreveu um último romance do Graal, sob o título de "PARZIVAL". Esta obra, embora trate de um tema semelhante, difere tão profundamente dos contos franceses que lhe dedicaremos um parágrafo especial.
Muito tempo depois, no século XIV, surgem versões espanholas, portuguesas e irlandesas. Mas elas são apenas adaptações ou mesmo simples traduções dos poemas franceses.
Os contos do Graal apresentam, principalmente, cavaleiros. Eles pertencem, portanto, à literatura cavaleiresca.
Que lugar ocupam nela? Devemos classificá-los entre as canções de gesta ou entre os romances corteses?
As CANÇÕES DE GESTA são peças épicas cujas mais belas e características retratam as guerras de Carlos Magno e formam o "Ciclo Carolíngio". Elas eram recitadas, com acompanhamento de viela, diante de um público totalmente popular. Não se deveria preocupar com nuances excessivas nos sentimentos nem com maneirismos na expressão. Deveria-se contentar com emoções fortes em uma linguagem simples. Também era conveniente que a ortodoxia da fé, unanimemente aceita, não fosse objeto da menor reserva. Daí as magníficas elevações épicas da Canção de Rolando, tipo e obra-prima do ciclo carolíngio.
Os ROMANCES CORTESES são muito diferentes. E, sobretudo, destinam-se a um público restrito e refinado, o das cortes senhoriais. Eles não são destinados ao público popular. Estão repletos de referências literárias da antiguidade grega e latina. Em geral, multiplicam-se os episódios galantes.
Os contos do Graal não fazem parte nem das canções de gesta, das quais não têm a simplicidade de inspiração, nem dos romances corteses, dos quais não compartilham a atmosfera antiga. Eles são classificados entre os CONTOS BRETÕES, que formam ainda um gênero completamente distinto, pela ambiência celta que os permeia, pelos personagens misteriosos que aparecem e pelo cenário armoricano e galês onde se desenrolam. Os contos bretões são tão abundantes que foi necessário dividi-los em vários ciclos, dos quais o principal é o CICLO ARTHURIANO, que apresenta o Rei Arthur, sua corte e seu castelo de Camelot.
Mas a exuberância da literatura arturiana é tal que foi necessário subdividi-la em "sub-ciclos", sendo o mais homogêneo e melhor caracterizado o SUB-CICLO DO GRAAL. Cerca de quinze autores trabalharam nele.
Essa é a posição do Graal na literatura cavaleiresca. Não era mau esclarecê-la antes de analisá-la quanto ao seu conteúdo.
Quais são as FONTES nas quais os contadores do Graal buscaram sua inspiração?
Conhecem-se quatro fontes distintas: a lenda do Rei Arthur, um grupo de Evangelhos apócrifos, os romances dos Mabinogions e um livro perdido de origem provavelmente árabe ou iraniana. Examinemos agora cada uma dessas fontes.
O REI ARTHUR, antes de ser objeto de relatos lendários, foi um personagem histórico muito real. Arthur ou Arthus ou, simplesmente, Arthu é o líder dos mais antigos habitantes celtas da Grã-Bretanha. Ele organiza, em 516 depois de Cristo, a resistência nacional e cristã contra os invasores anglo-saxões que ainda eram pagãos nessa época.
À frente dos Bretões, Arthur infligiu, primeiro, em Badon-Hill, uma derrota aos anglo-saxões. A vitória não foi fácil, pois exigiu, diz-se, doze batalhas. Arthur restabeleceu o cristianismo na Grã-Bretanha, comprometido pelos invasores. Seu reinado foi curto; durou apenas dez anos; mas deixou uma lembrança indelével.
Aí se limitam os fatos históricos: um rei cristão derrota um invasor pagão. É sobre esse tema simples que a lenda será tecida. É por essa razão que Arthur, seus cavaleiros, seus capitães, sua corte e seu castelo vão subsistir na memória popular por mais de quatro séculos, durante os quais a nostalgia arturiana vai alimentar as imaginações. A prestigiosa lembrança histórica tomará uma forma literária nos séculos XI e XII, época de eclosão dos romances do "Ciclo Arturiano", também chamados de Romances da MESA REDONDA.
Os principais personagens que gravitam ao redor do Rei Arthur são Merlin, o encantador, seu fiel companheiro, Frec, Wigamur, Gauriel, Lancelot e, finalmente, Tristão e Isolda, cujas aventuras sentimentais, um tanto conturbadas, são tão numerosas que foram reunidas em um "sub-ciclo" dos romances da mesa redonda, formando assim o contraponto do "sub-ciclo graaliano".
Certos EVANGELHOS APÓCRIFOS forneceram aos contadores do Graal a base anedótica de sua trama religiosa. De fato, é nos textos apócrifos, e não nos canônicos, que se encontra mencionado o episódio de José de Arimateia recolhendo, no Santo Graal, o precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pesquisadores modernos conseguiram identificar os apócrifos que os "velhos romancistas" utilizaram: "O Protoevangelho de Tiago", "O Pseudo-Evangelho de Nicodemos", os "Gesta Pilati", a "Vindicta Salvatoris" (também chamada de "História de Vespasiano") e, por fim, uma série de documentos que se reúnem sob o nome de "História Apócrifa da Santa Cruz".
Nenhum desses textos, que são de diversas épocas, foi aceito pela Igreja no cânone das Escrituras. O que se encontra neles é, portanto, sujeito a dúvida. Ora, o tema que constitui a base do mito provém desses textos apócrifos: a suposta aparição de Jesus a José de Arimateia, durante a qual o Salvador teria lhe entregado o Graal que teria sido usado para recolher seu Sangue. Esse episódio essencial, do qual o restante da Lenda será deduzido, não é certificado pelo Magistério. Não é de todo certo que o Graal tenha tido uma existência real.
OS ROMANCES DOS MABINOGIONS. Um "Mabinogion" é, na língua do País de Gales, um aspirante à profissão de Bardo. Esse termo acabou por designar o "Caldeirão Mágico" que os Bardos costumavam usar. Os caldeirões mágicos, dos quais provinham todos os tipos de alimentos e riquezas, equivalem, segundo os autores, aos "cornucópias" da mitologia greco-latina. Os "Romances dos Mabinogions" são Contos Bretões onde aparecem esses caldeirões e esses bardos. Os nomes dos heróis, dizem, carregam essa marca. O radical galês que comumente designa o caldeirão é "per". Ora, o nome dos personagens desses romances é precisamente Peredur, que se transformou, ao atravessar o continente, em Perlesvaus e depois em Perceval. Muitos críticos consideram os "Mabinogions" como uma das fontes utilizadas pelos contadores do Graal.
UM LIVRO PERDIDO. O cronista cisterciense Hélinand de Froidmont, que escrevia em 1204 no mais tardar, afirma a existência de um livro que ele remonta ao ano 718 da nossa era; ele sabe que existem alguns exemplares em francês nas mãos de certos senhores dispersos. Para seu grande pesar, Hélinand de Froidmont não conseguiu lê-lo; ele conhece apenas sua existência e importância.
Quanto a Robert de Boron, um dos principais contadores do Graal, ele fala de um "grande livro" do qual diz: "Aqui estão os grandes segredos escritos, que se chamam o Graal". Robert de Boron é categórico: ele conheceu o livro por meio de seu senhor Gauthier de Montbéliard; se ele não pôde relatar mais que algumas partes, é porque o texto que ele tinha em mãos estava incompleto.
Chrétien de Troyes, ele também, na introdução de seu "Perceval", afirma dever o conteúdo de seu poema a um livro que lhe foi entregue pelo conde Filipe da Flandres: "Este é o conto do Graal que os contadores narram no livro.".
O poeta alemão Wolfram von Eschenbach, autor de um romance do Graal intitulado "Parzival", indica que se inspirou em um certo "Kyot o Provençal, o mestre bem conhecido, escreve ele, que encontrou em Toledo a matéria desta aventura, anotada em escrita árabe".
Vê-se, graças a todos esses testemunhos, que o livro perdido deixou consideráveis vestígios. Somos fortemente tentados a materializar nesse livro a influência dos contos iranianos que os críticos modernos, e sobretudo Henri Corbin, discernem nos poemas e romances franceses do Graal. Vemos, ao examinar todas essas fontes, que a inspiração cristã, na origem do Graal, é, portanto, fortemente misturada com elementos heterodoxos.
Nos relatos do Graal, ao passar de um autor a outro, é de se esperar variantes em toda a parte anedótica. A continuidade e a homogeneidade, pelo contrário, se encontram na parte alegórica.
Segundo Robert de Boron, José de Arimateia fundou uma pequena comunidade religiosa com os membros de sua família e alguns judeus convertidos. E ele instituiu o RITO DA MESA para honrar o Graal, cuja guarda ele acabara de receber. Ele diz pouco sobre esse rito, exceto que era de tipo eucarístico. Não há dúvida de que o Graal nutria seu guardião.
Após a morte de José de Arimateia, a relíquia é confiada a Bron, seu cunhado, que a transporta para a Inglaterra. A pequena comunidade familiar, guiada por Alain, filho de Bron, vagueia pelo mundo antes de se juntar ao Graal na Inglaterra, onde Bron o havia trazido. Nesta versão, Perceval é dado como filho de Alain, mas ele se separa de seu pai, de quem perdeu a pista. Bron é então o "Rei Pescador". Perceval é o Escolhido destinado a encontrar o Graal.
Mas entre os "continuadores" de Robert de Boron, assiste-se à substituição de Perceval por Galahad. Perceval falha em sua busca pelo Graal porque não é suficientemente impecável. E é finalmente Galahad, o cavaleiro "espiritual" sem mácula, que encontra e contempla o mistério do Graal. Incessantes prodígios pontuam essas peripécias.
Após a morte de Bron, é Joséphé, o filho de José de Arimateia, quem assume a direção da comunidade do Graal e desempenha o papel de sumo sacerdote. O personagem do "Rei Pescador", também, se perpetua através das diferentes continuações. Haverá uma verdadeira dinastia desses reis, mas todos habitarão o castelo de CORBENYC. No entanto, não se deve procurar uma grande rigorosidade em sua genealogia.
Le "Roi Pêcheur" se confunde mais frequentemente, mas não sempre, com o "Roi Méhaigné", ou seja, Ferido, como vimos na versão de Chrétien de Troyes; em outras versões, os dois personagens são distintos.
Algumas versões intercalam, em diversos pontos do relato, o episódio da NEF DE SALOMON. Somos transportados para tempos antigos e nos é mostrado o Rei Salomão a quem é revelado que um de seus descendentes descobrirá o Graal. Ele então manda construir uma nave de madeira incorruptível no centro da qual coloca uma cama sobre a qual são colocados três fusos. Sobre a cama, ele deposita "uma espada com estranhas correias"; as correias dessa espada, de fato, são feitas de vulgar estopa; mas mais tarde uma virgem as substituirá por novas correias feitas com seu próprio cabelo. Esta espada está destinada ao Escolhido. Com ela, ele dará o "Golpe Doloroso" que anuncia as últimas aventuras.
O episódio do palácio de Sarraz é um dos mais constantes e é também aquele que melhor permite julgar o espírito do mito graaliano. Seguindo circunstâncias que variam de uma versão para outra, a comunidade de Joséphé se transporta, escoltando o Graal e a "Lança que Sangra", sempre inseparáveis, para a misteriosa cidade de SARRAZ (do nome de seu Rei-fundador). Esta palavra obviamente evoca os Sarracenos. É-nos revelado que esta cidade de Sarraz é uma figura da Jerusalém celeste. Em seu recinto encontra-se o PALÁCIO ESPIRITUAL destinado a abrigar o triunfo do Graal quando o Escolhido for considerado digno de descobri-lo. Dois reis sarracenos, Mordrain e Nascien, se convertem ao Graal.
É no palácio espiritual de Sarraz, durante uma visão maravilhosa, que Cristo institui um NOVO SACERDÓCIO ESPIRITUAL. Ele aparece à comunidade para sagrar bispo, com suas próprias mãos, Joséphé, filho de José de Arimateia (conferindo-lhe assim a plenitude do Sacerdócio). No altar, entre a lança e o Graal, aparece um segundo vaso de ouro de origem celestial; ora ele se distingue do Graal da Ceia, ora se confunde com ele. Imprecisão que mantém a atmosfera enigmática tão característica desses relatos.
Algum tempo após sua sagração, Joséphé, o novo bispo "espiritual", celebra um "Rito da Mesa" durante o qual Cristo se manifesta novamente e promulga o privilégio do "pequeno povo recém-nascido do nascimento espiritual". Nascien, rei sarraceno recém-convertido, em êxtase, vê no Graal a profecia da restauração final. Joséphé é ferido pela lança cujo ferro permanece na ferida.
Mas Perceval, Bohort e Galaad, que conduziram sua busca juntos, chegam a Sarraz. Todos os três estão prestes a alcançar o objetivo, mas apenas um irá triunfar. É anunciado que o Escolhido não será Perceval (embora inicialmente pressentido), mas Galaad, o cavaleiro "espiritual".
Diante do Graal cercado por uma luz sobrenatural, Galaad é tomado pela UNIO MYSTICA, prelúdio da visão beatífica celestial. Imediatamente, Galaad cura Joséphé, que foi ferido pela "lança que sangra". Assim, a lenda do Graal, iniciada no culto de uma insigne relíquia da refeição eucarística de Jesus, termina com as núpcias espirituais que constituem o ápice da vida mística. A impressão de uma intensa vida cristã se mantém do início ao fim. Não é de se admirar que alguns críticos modernos vejam, nos romances do Graal, a marca de uma influência cisterciense muito acentuada.
Mas o cristianismo do Graal é tão ortodoxo quanto parece?
Para responder a esta questão, tentaremos desvendar as alegorias contidas nos personagens, objetos e ritos. É aí que se esconde todo o esoterismo do Graal.
OS PERSONAGENS: Suas aventuras sofrem variações de uma versão para outra. Mas a alegoria que eles encarnam permanece a mesma em todos os lugares. O Rei Arthur recruta e forma a maioria dos cavaleiros do Graal. Seu castelo de Camaalot é como o pritaneu deles. Esses cavaleiros representam os vários graus de avanço da alma na vida mística. Na base da escala está Gauvain, o tipo de soldado "terreno", ou seja, terra-a-terra, intrépido e rigoroso, mas sem ideal. No topo, culmina Galaad, o cavaleiro "celestial" por excelência. Entre os dois, escalonam-se Bohort, Aiol, Doon, Tyolet, Fergus, Lancelot, sem esquecer Perceval, que também passou por Camaalot.
Merlin, o encantador, o inseparável companheiro do Rei Arthur, aparece pouco no Graal. Ele é principalmente um personagem arturiano.
As mulheres não são numerosas. Blanchefleur e Hélaine pertencem principalmente, elas também, à "Távola Redonda". Guinevere, esposa do Rei Arthur, é cortejada por Lancelot. Várias "jovens enigmáticas" fazem misteriosas aparições na liturgia, transmitindo mensagens ou advertências. Não se sabe de onde elas vêm. Uma delas, no entanto, é a irmã de Perceval.
Os "Reis Pescadores", que às vezes também são os "Reis Feridos", habitam o castelo de Corbényc, que é muito mais "espiritual" do que o de Camaalot. Eles constituem uma espécie de dinastia cuja origem remonta, em princípio, a José de Arimateia. Eles foram constituídos guardiões do Graal que os alimenta.
Mas o que eles representam senão a espera do Eleito e, portanto, da "grande Revelação" que ele deve trazer?
Os comentadores modernos não fornecem explicações muito claras. Os Reis sarracenos convertidos são apenas dois: Mordrain e Nascien.
Mas ao que eles são convertidos? Ao catolicismo romano? Certamente não. Eles são convertidos ao Graal.
Eremitas aparecem nos momentos de perturbação para confessar os cavaleiros ou dar-lhes conselhos. Um deles se chama Nascien, mas não tem nada em comum com o rei sarraceno convertido; é um personagem completamente diferente com o mesmo nome de Nascien. O clero secular nunca aparece nas histórias do Graal. Encontramos capelas, monastérios, "abadias brancas", mas nunca igrejas paroquiais e catedrais, nunca o bispo residente.
OS OBJETOS. O mais prestigioso é obviamente o Graal. Ele contém às vezes o Precioso Sangue, às vezes hóstias. Mas também tem um valor em si mesmo, pois constitui um mistério a ser elucidado. Somente o Eleito, primeiro, e depois dele, uma pequena elite poderão alcançar essa gnose, ou seja, a compreensão desse mistério. Enquanto isso, nenhum profano deve contemplar o Santo Vaso. Nisso, pelo menos, ele se distingue do Santíssimo Sacramento Exposto, em uso na verdadeira Igreja institucional, que é, ao contrário, destinado à adoração popular.
A "Lança que sangra" forma com o Graal um binômio inseparável. Quando eles processam, é juntos. Esta lança é a de Longino, é claro, aquela que abriu o coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os exegetas atuais se comprazem em comentários sobre o binômio Lança-Graal. Eles veem nele, como era de se esperar, a alegoria do masculino e do feminino.
O talhador é o prato que continha o cordeiro pascal da Última Ceia. Em nossos romances, ele desempenha um papel ambíguo, em concorrência com o próprio Graal. Pode-se perguntar se ele não representa, discretamente, um Graal mais ou menos hebraico.
A espada faz frequentes aparições, mas vê-se que é um vestígio dos romances arturianos. A espada traz muitas desgraças. Ela fere o Rei e torna a terra estéril. Finalmente, ela se quebra e será necessário que o Eleito Galaad a solde novamente.
OS RITOS do Graal são claramente esotéricos. O protótipo nos foi mostrado pelo "Rito da Mesa" celebrado por José de Arimateia rodeado por sua pequena comunidade. Sabe-se também que uma "Missa do Graal" é celebrada todas as noites no castelo de Corbényc, mas não nos é dito o que acontece lá. Assistimos principalmente a duas dessas missas: a primeira na presença de Galaad e seus onze companheiros em Corbényc; a segunda no "Palácio espiritual" de Sarraz no dia da morte extática de Galaad; o celebrante é então Joséphé que desce do céu em um trono sustentado por quatro anjos.
O sacerdócio espiritual com o qual Joséphé é investido por Jesus Cristo Ele mesmo é apresentado como superior ao de Pedro. Certamente, Pedro e o sacerdócio hierárquico não são desconhecidos nos romances do Graal. Um certo Perron aparece na Estoire de Robert de Boron. Mas ele é sempre relegado ao segundo plano, ao de acólito. Além disso, ele recebe seu ensinamento dos outros personagens do Graal. A Igreja de Pedro é encarregada de anunciar a chegada futura da Igreja espiritual. Perron está ausente do "Palácio espiritual" de Sarraz quando Joséphé recebe a plenitude do sacerdócio. É Joséphé quem é o verdadeiro pastor dos companheiros do Graal. Acrescentemos a isso que são frequentes as cerimônias mais ou menos claramente iniciáticas.
Os contadores que participaram da elaboração do mito eram todos contemporâneos uns dos outros. Todos viveram no final do século XII e início do XIII. Pode-se, portanto, perguntar se eles não constituíam uma espécie de confraria espiritual, mais ou menos coerente, como era frequente naquela época.
Pode-se supor que uma influência cátara tenha sido exercida sobre eles?
Isso foi sugerido às vezes, mas é pouco provável, pois não se encontra, na mística do Graal, nenhum traço do maniqueísmo radical que é tão característico do pensamento albigense.
Pertenciam eles a alguma linhagem "joanina"?
Provavelmente não, já que não é São João que é apresentado como detentor do sacerdócio espiritual, mas Joséphé, filho de José de Arimateia. Pode-se excluir o joanismo propriamente dito.
Alguns comentadores modernos observam que os romances do Graal são contemporâneos de Joaquim de Fiore, aquele ex-cisterciense italiano que ensinava a iminência da era do Espírito Santo. Para ele, a história da salvação se divide em três eras: a era do Pai, que coincide com o Antigo Testamento, a era do Filho, que corresponde ao Novo Testamento, e a era do Espírito Santo, que é a dos últimos tempos nos quais teríamos entrado. Ora, alguns franciscanos dissidentes se juntaram aos discípulos de Joaquim de Fiore. Eles tomaram precisamente o nome de "espirituais". Sua influência se exerceu rapidamente na França e na Inglaterra, especialmente na nobreza.
Tal parentesco, mesmo que não seja muito organizado, explicaria o "messianismo espiritual" do qual os Poemas e romances do Graal estão impregnados. Compreender-se-ia então muito bem a comunidade dos "pobres espirituais" de Joséphé, guardiã do Graal e detentora de um segredo cuja revelação marcará o advento do Espírito Santo.
O que é certo é que há, na "arte confusa de nossos velhos romancistas", como dizia Boileau, inúmeras insinuações que colocam sua obra coletiva totalmente à margem do cristianismo ortodoxo.
WOLFRAM VON ESCHENBACH é o último dos autores do Graal. Ele era originário do Palatinado. Suas duas principais obras: "Titurel" e "Parzival" foram compostas em 1200 e 1220. Com ele, o mito assume um caráter claramente esotérico, pode-se mesmo dizer gnóstico. As fontes árabes que mencionamos tornam-se evidentes. O Graal já não é o "Santo Vaso" cantado por Chrétien de Troyes. É uma enorme esmeralda escavada em forma de cálice e caída da testa de Lúcifer quando este foi precipitado do céu.
É Wolfram von Eschenbach quem faz a mais clara alusão a esse "Mestre Kyot que encontrou em Toledo a matéria desta aventura, anotada em escrita árabe". Matéria que se tornou a trama de seu poema. Assim, ele abandona o mundo arturiano para substituí-lo por um mundo oriental. O centro de suas aventuras não será mais o castelo de Corbenyc, nem mesmo o palácio espiritual de Sarraz. A pedra de esmeralda em forma de cálice será guardada no castelo de MONTSALVAGE. Templários serão os guardiões deste novo Graal, do qual podemos nos perguntar se é cristão ou luciferino.
Certamente, o antigo cenário não é totalmente abandonado. Assim, apenas seres puros podem levantar e carregar a pedra. Todos os anos, na Sexta-Feira Santa, seu poder maravilhoso é renovado por uma hóstia que uma pomba traz do céu. Não se abandona totalmente o cristianismo, o que seria impossível naquela época. Simplesmente, ele é atenuado.
A "Queste" também não se desenrola da mesma maneira. A nova busca do Graal torna-se a progressão de Parzival, de obstáculo em obstáculo, em direção ao mundo do absoluto situado fora do tempo e do espaço. No entanto, Parzival já pertence a esse mundo, sem saber, por sua própria natureza. A ascensão em direção ao Graal, símbolo do absoluto, faz com que ele tome consciência de sua verdadeira natureza. Essa ideia é tipicamente gnóstica. O Graal de Wolfram von Eschenbach também se envolve em astrologia e alquimia.
Assim, é criado o Graal germânico, que dormirá por muito tempo e que Richard Wagner despertará seis séculos depois. Para compor o libreto de Parsifal, que foi sua última ópera, Wagner fez um trabalho de síntese. Ele não abandonou completamente os romances franceses. Ele se inspira neles, em particular, para a cena final da cerimônia da Ceia. Mas, por exemplo, para a marcha fúnebre de Titurel, ele retorna a Wolfram von Eschenbach. É o castelo de Montsalvat, e não mais o de Corbenyc, que abriga o Graal germânico. O Eleito não é mais Galaad, mas Parsifal.
Atualmente, os contos do Graal são objeto de um estudo aprofundado por parte de alguns intelectuais. Até mesmo sociedades eruditas foram criadas para a compilação desses antigos textos. Uma certa moda, no grande público, começa a se delinear. Entre os trabalhos de estudo, podemos citar:
"Sendas na Floresta do Graal" por Pierre David, Coimbra 1943.
"Luz do Graal", coletânea coletiva dos Cahiers du Sud, Paris 1951.
"A Queste do Santo Graal, Romance cisterciense" por Irénée Vallery-Radot, Bélgica 1956.
"O Islã e o Graal", por Pierre Ponsoye, Paris 1957.
Diante da realidade do entusiasmo público ou para estimulá-lo, o fato é que o CNRS reuniu em Estrasburgo, em 1954, um Colóquio Internacional sobre o tema: "Os Romances do Graal na Literatura dos séculos XII e XIII", Colóquio ao qual participaram acadêmicos e escritores de grande valor, mas cuja orientação não era particularmente cristã.
O mito do Graal é um veículo ideal para os neo-gnósticos que trabalham para familiarizar os tradicionalistas com a ideia de um esoterismo cristão.
De fato, essa lenda permanece, na mente do grande público, inseparável do cristianismo mais seguro, devido à sua origem e ao seu epílogo: a origem é o cálice da Ceia e o epílogo é a morte extática do cavaleiro sem mancha. Inserida entre esses dois extremos, a lenda, portanto, não inspira nenhuma desconfiança prévia. Pelo contrário, ela se beneficia de um preconceito favorável. Os leitores não prevenidos correm, portanto, o risco de se deixar seduzir pelo cristianismo "espiritual" e extra-hierárquico desses poemas, cujo encanto céltico e cavalheiresco ainda opera sobre muitas mentes.
E no entanto, a participação das doutrinas heterodoxas nos romances do Graal é muito substancial. Ela é evidenciada por uma multidão de obras recentes. A influência dos contos árabes na origem de nossos relatos medievais interessa particularmente os pesquisadores modernos. Henri Corbin acredita que existe, nos contos épicos do Irã, o equivalente do Graal. Esse Graal iraniano não é nada mais, segundo ele, do que a "Taça maravilhosa" de Djmeshid, na qual o "Rei Místico" vê todo o universo. Ele trata desse assunto em seu livro "Da Epopeia Heroica à Epopeia Mística". Ele aprofunda ainda mais essa questão no livro "No Islã Iraniano", onde dedica o capítulo "A Luz da Glória e o Santo Graal" ao equivalente iraniano e islâmico do Graal cristão.
Dois livros recentes são capazes de mostrar o ardor quase fanático dos neo-hermetistas em excitar o interesse do grande público pelos romances do Graal:
"Perceval e a Iniciação" por Pierre Gallois, nas Edições do Sirac, 1972 e "O Mito do Graal e a Ideia Imperial Gibelina" por Julius Evola.
Se nos reportarmos a essas duas obras, veremos que não exageramos o perigo.
Jean VAQUIÉ 1989