Sobre René Guénon e a Maçonaria – Transmigração e Messianismo
Antigo Venerável Mestre da Grande Triade, Karl van der Eyken expõe algumas contradições aos dissidentes críticos da maçonaria admiradores do guénonismo.
Tornando-se bispo da Igreja Gnóstica sob o nome de Palingenius, Guénon assumiu a direção do órgão oficial La Gnose, no qual publicou de 1909 até 1912 diversos artigos...
Guénon refutava a teoria reencarnacionista, considerando-a como uma limitação impossível da Possibilidade universal [1], sinônimo para ele do “Infinito”; mas, algo nunca mencionado, é que ele combatia essa teoria porque ele mesmo era transmigracionista! Ele cita com zelo a Hermetic Brotherhood of Luxor [HB of L], Fraternidade dita anti-reencarnacionista (com algumas exceções...):
“acreditamos que pode ser interessante citar aqui alguns trechos desses ensinamentos, que mostram que essa escola tinha pelo menos algum conhecimento da transmigração verdadeira, bem como de certas leis cíclicas: ‘É uma verdade absoluta expressa pelo adepto autor de Ghostland, quando diz que, como ser impessoal, o homem vive em uma indefinição de mundos antes de chegar a este...’”. E Guénon lamenta: “Infelizmente, a H. B. of L. admitia a possibilidade da reencarnação em alguns casos excepcionais, como o dos filhos natimortos ou mortos na infância, e o dos idiotas de nascimento” [2].
A Igreja refuta toda teoria transmigracionista e reencarnacionista, pois o indivíduo é « indivisível » (individuum). Aristóteles havia demonstrado que a alma e o corpo constituem uma composição inseparável. Na doutrina da Igreja, Deus cria conjuntamente a alma para o corpo durante a concepção. Uma alma é criada exclusivamente para animar um corpo, e é somente através dos sentidos corporais que a alma aprende a conhecer as coisas. A doutrina transmigracionista da H. B. of L. provém do Sepher Ha-Guilgulim[3], o « Tratado das Revoluções das Almas », segundo a nova Cabala de Isaac Louria (1534-1572). Este tratado cabalístico está misturado com elementos cristãos, inevitavelmente revisados e corrigidos com o objetivo de que essa doutrina seja absorvida por um público não familiarizado. A doutrina de Louria foi transmitida oralmente por seus discípulos, que posteriormente a transcreveram por escrito. Essa doutrina vincula o afastamento de Deus à diáspora judaica. De acordo com esse conceito, Deus (Ein-Soph) se retirou ou « exilou » do mundo em uma « Contração » (Tsimtsoum). Essa retração gerou um espaço vazio, deixando resíduos de luz aprisionados em recipientes ou « vasos » que se romperam, não podendo conter essa força residual (Chevirat hakelim). É no espaço desse vazio que Ele emanou (sic), formou e fez todos os mundos. Parte da luz liberada ascendeu, enquanto a outra parte, sob a forma de centelhas, desceu em cascas ou « conchas » (klippoth); esse é o domínio das trevas, denominado o « Outro Lado » (Sitra Ahra). A imperfeição do mundo requer sua « Reparação » (Tikkun Olam). As centelhas divinas, aprisionadas nessas « conchas », devem ser liberadas pela destruição de todos os obstáculos que se opõem a isso (Ordo ab Chao, um lema maçônico…). Segundo Jacob Frank« Jesus foi a elite da casca que precede o fruto »[4], Jesus Cristo o obstáculo! A « Reparação do mundo » só é possível pelo Rei-Messias, cuja chegada só pode se dar exclusivamente pelos judeus, que devem « abrir » o caminho pela destruição de tudo o que se opõe…
De acordo com a Fama Fraternitatis (1614), Christian Rosenkreutz, o fundador mítico da Rose-Croix, retornou de suas viagens para o Oriente com a nova Cabala de Louria [5]. Aqui aparece indubitavelmente a ligação ou a rede, se preferirem, entre Louria, os Rose-Croix e os Martinistas maçônicos, como disse Bernard Lazare (ver acima). Lazare, anarquista e sionista, não menciona Louria, porém em Le Fumier de Job, ele reivindica o messianismo. O Sepher Ha-Guilgulim diz:
« pelo pecado de Adão protoplasto, os membros de sua alma foram arrancados e mergulhados nas cascas ». Adão protoplasto [6] é a fragmentação do Adão Kadmon, o Homem universal (sic), que é a primeira emanação (re-sic) do “Deus incompreensível” (Ein-Soph).
Essa doutrina imaginal [7] ressoa como uma sobrevivência do desmembramento de Osíris do Egito faraônico. Louria estabelece uma correspondência entre a alma fragmentada de Adão e a dispersão do povo judeu pelos quatro cantos do mundo. Essa mística redentora impõe, sine qua non, o retorno de suas almas em exílio « até a última, então o Messias virá »; « O filho de David não virá antes que todas as almas que fizeram parte do corpo (o do protoplasto) sejam libertadas. A ser bem lembrado » [8]. O Sepher Ha-Guilgulim constitui o coração do messianismo judaico, uma doutrina que de forma alguma nos afasta do nosso assunto; muito pelo contrário!
De fato, em 1738, a Maçonaria adicionou um novo e primeiro artigo às Constituições de 1723. O artigo proclama que « um Maçom é obrigado por sua filiação a observar a Lei Moral como um verdadeiro Noachita... ». Ora, o noachismo não é outra coisa senão a « religião universal » talmúdica conduzida por sacerdotes judeus à qual toda a humanidade deve se submeter, como diz expressamente o rabino Élie Benamozegh, é « o reconhecimento que a humanidade deve fazer da verdade doutrinária de Israel, mantendo na prática sua autonomia e liberdade » [9]. Ser simultaneamente subordinado e livre não é possível segundo o princípio da não-contradição; as intenções rabínicas são claras...
A Igreja Gnóstica e a Ordem do Templo Renovado
Victor Blanchard (1877-1953)
Em 1909, Guénon foi introduzido na « Igreja Gnóstica » e imediatamente consagrado « bispo » sob o nome de Palingenius « regeneração », com a missão expressa de reconstituir a Ordem do Templo (Renovado) na função de chefe. Essa Igreja « quimérica » surgiu por volta de 1880 durante uma sessão espírita na mansão da rica teosofista lady Caithness, a duquesa de Pomar [10]. Em 1888, durante uma das sessões espíritas, teria se manifestado o espírito de Guilhabert de Castres, bispo cátaro (1226-1240) de Toulouse, que teria dado a Jules Doinel a missão de restaurar a Igreja gnóstica, e o investiu patriarca sob o nome de Valentin II [11]. Nesse meio, havia principalmente martinistas; sem querer sobrecarregar este relato com nomes e detalhes (às vezes muito eloquentes), é necessário mencionar aqui dois martinistas, o médium Jean Desjobert e, sobretudo, o alto-funcionário Victor Blanchard. Guénon, Desjobert e Blanchard publicaram, em uma revista maçônica, um apelo às suas « boas intenções ». Alguns trechos eloquentes:
« As Sociedades iniciáticas não estão à parte da Maç.:. como vocês parecem acreditar; pelo contrário, elas estão, em geral, integradas na Maç.:., e para ser admitido nelas, é necessário possuir pelo menos graus simb.:., às vezes até graus muito mais elevados. » […] « Outro reproche que nos causa o mais profundo espanto é o de sermos auxiliares do clericalismo, ou mesmo clérigos disfarçados; nunca teríamos imaginado isso, nós que não contamos mais as excomunhões lançadas contra nós pela Santa Igreja Romana, o que, aliás, nos enche de orgulho. » […] « O que o clericalismo e a reação, em todas as suas formas, temem acima de tudo, são os maçons que se ligam à tradição do Iluminismo, e isso é facilmente compreensível quando se sabe qual foi o papel histórico dos Iluministas. Foram eles que trabalharam incansavelmente pela libertação da Humanidade, que prepararam a Revolução Francesa, que redigiram a “Declaração dos Direitos do Homem”; é a um dos mais ilustres deles, L.-Cl. de Saint-Martin, que se deve a grande Trilogia: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que foi um lema maçônico antes de se tornar o lema republicano. ». L’Acacia, 1909, co-assinado: J. Desjobert, 30°-90°; R. Guénon, 30°-90°; Victor Blanchard, 30°-90°.
Victor Blanchard era Secretário-Relator na Câmara dos Deputados, Chefe do Secretariado-Geral da Presidência da Assembleia Nacional, Chefe do Serviço de Arquivos e Chefe do Martinismo! Foi ele quem criou em 1921 a Ordem Martinista e Sinárquica (OMS), e foi o Movimento Sinárquico de Império (MSE) que planejou a implementação (X-Crise com o Banco Worms) de um mundo dividido em cinco blocos econômicos [12]. Geoffroy de Charnay revela em La Synarchie que o recrutamento seguia o modelo dos « Iluminados da Baviera », ou seja, baseado em infiltração e terror! O primeiro objetivo desse Movimento era minar a Terceira República com a intenção de realizar uma Federação Europeia. A Sinarquia tem suas raízes no Manifesto dos Rose-Croix, a Fama Fraternitatis, de 1614. Esse Manifesto pregava a reforma universal da Igreja e dos Estados, com o objetivo de submetê-los a uma Super-religião (esotérica) e a Instituições supranacionais. Volto a isso em A Crise do Mundo Moderno e particularmente com O Rei do Mundo.
Tornado bispo da Igreja Gnóstica, Guénon assumiu a direção do órgão oficial La Gnose, no qual publicou de 1909 até 1912 numerosos artigos, a maioria dos quais foram incorporados em seus livros. Quanto a Jules Doinel, investido por um « espírito » como patriarca da Igreja gnóstica, ele buscava uma reconciliação com a Igreja Católica. Ele chegou a expor seu projeto em uma carta redigida em latim ao cardeal Rampolla. Em 1895, ele escreveu Lucifer Desmascarado sob o pseudônimo de Jean Kotska, e se juntou aos meios antimaçônicos e ocultistas ao lado de Léo Taxil, mas no que diz respeito à sua conversão, ou melhor, suas múltiplas conversões, como Léo Taxil!, permanecem dúvidas quanto à sua sinceridade. Monsenhor Henri Delassus não tinha dúvidas a esse respeito: « Teosofia, ocultismo, martinismo, etc., são formas diversas da antiga gnose dos dois ou três primeiros séculos do cristianismo, fundada pelos judeus para sufocar a doutrina cristã em seu berço. Ela foi reorganizada na França em 1890 por Jules Doinel, que retornou ao catolicismo após seus desvios com marcas inequívocas de uma verdadeira conversão. » [13]. Quanto ao pseudônimo Jean Kotska, é o nome adotado por um judeu frankista « convertido » ao Catolicismo entre 1755 e 1761 [14]. Que coincidência, exceto para aqueles que acreditam no acaso!
Publicado na L’Héritage em 2018
Karl VAN DER EYKEN
[1] – Termo empregado na revista La Gnose, 1911, N° 2, O Simbolismo da Cruz.
[2] – O Erro Espírita, 1923, 2ª parte, cap., VI « A reencarnação ».
[3] – Hayyim Vital, Sepher Ha-Guilgulim, « Tratado das Revoluções das Almas » segundo Isaac Louria, Archè Milano, 1987. Hayyim Vital (1542-1620) foi um discípulo de Isaac Louria.
[4] – Gershom Scholem, Nas Origens Religiosas do Judaísmo Laico, da Mística às Luzes, Calmann-Lévy, 2000, p. 209. Sabbataï Tsevi, Verdier, 1983, p. 287: « No messianismo cabalístico de Nathan [o “mestre manipulador” de Sabbataï Tsevi], a alma do messias é engolida pelos qlippoth até o momento de sua manifestação. A raiz santa da alma do messias é cercada por uma “casca” (ou seja, uma força demoníaca) que não é outra senão Jesus. »
[5] – Dame Frances A. Yates, A Luz dos Rose-Croix, Retz, 1978, p. 259.
[6] – Segundo a Cabala, Adam protoplasto é o « primeiro formador », o demiurgo dos gnósticos. Trata-se de um deus intermediário em uma longa série de degradações por emanação do Ein-Soph, o princípio supremo; é a negação da Criação! O demiurgo não é senão um deus maligno que aprisiona as almas na matéria, e somente a iniciação, por meio da « iluminação interior », abriria o caminho para a libertação. A libertação decorre da identificação do homem com o princípio supremo; o « Homem-Deus » da Gnose!
[7] – A palavra « imaginal » é um neologismo concebido por Henry Corbin, que designa uma exaltação filosófica da imagem. Essa exaltação abre para o conhecimento simbólico da realidade dos arquétipos. Segundo essa doutrina, a imaginação possuiria « sua função cognitiva própria ». Esse conceito é não apenas contrário ao realismo filosófico, mas também, e principalmente, prescinde da Revelação.
[8] – Hayyim Vital, op. cit., pp. 35-37.
[9] – Elie Benamozegh, Israel e a Humanidade, Albin Michel, 1961, pp. 364-365.
[10] – Autor de vários livros, entre os quais: Os Verdadeiros Israelitas, a identificação das dez tribos perdidas com a nação britânica, os sufis e a teosofia maometana, 1888.
[11] – Em 8 de setembro de 1891, o papa Leão XIII denuncia « a velha heresia albigense [que], sob um nome diferente e sob o patrocínio de outras seitas, renasce de uma maneira surpreendente ».
[12] – Geoffroy de Charnay, Sinarquia, panorama de 25 anos de atividade oculta, Médicis, 1946. O autor Raoul Husson adotou o pseudônimo de Geoffroy de Charnay, o último comendador da Ordem do Templo para a bailliage da Normandia. Ele foi entregue às chamas na ilha dos Judeus (a Oeste da atual ilha de la Cité em Paris) em 18 de março de 1314, juntamente com Jacques de Molay. Esse evento faz parte da narrativa sobre a Vingança no 30º grau maçônico do Rito Escocês Antigo e Aceito.
[13] – A Conjuração Anticristã – O Templo maçônico querendo se erguer sobre as ruínas da Igreja Católica, 1910, p. 170.
[14] – Charles Novak, Jacob Frank – o Falso Messias, L’Harmattan, 2012, p. 80.